A Justiça de Limeira julgou recentemente um pedido pouco comum. A ação, de obrigação de entregar, foi movida pela vítima de um estelionato contra a outra vítima do mesmo crime, ou seja, as duas partes foram enganadas pelo mesmo criminoso, mas o homem que teve prejuízo financeiro recorreu ao Poder Judiciário para reaver o valor desembolsado, e o juiz decidiu pela partilha do prejuízo. A sentença é do dia 19.

Antes de descrever a decisão da Justiça, é necessário entender o contexto do ‘golpe da venda do carro usado’, que envolve ousadia do criminoso, pois ele engana quem quer vender e o interessado em comprar o automóvel.

A partir da identificação do anúncio da venda, o criminoso liga para o proprietário e se mostra interessado na compra. O anúncio em questão estava num site de classificados online e o automóvel era comercializado por R$ 37 mil. O golpista fez contato com o vendedor, obteve detalhes e fez uma cópia do anúncio original, mas com valor bem abaixo: R$ 24,5 mil.

O preço inferior chamou a atenção de um outro homem que demonstrou interesse em comprar o carro. O criminoso, então, inventou a primeira história ao comprador. Disse que o automóvel estava em posse do primo, que iria mostrar o carro e providenciar a transferência da documentação. O pagamento, no entanto, deveria ser feito por meio de PIX para uma mulher.

Após enganar o comprador, o golpista retomou o contato com o dono do carro para também enganá-lo. Convenceu o proprietário do automóvel a fingir que era seu primo e que o interessado em comprar o veículo pegaria o carro para entregar como parte de pagamento de um imóvel. Além disso, o estelionatário mandou o proprietário tratar o comprador com rispidez.

O resultado de toda essa negociação foi o seguinte: as duas partes se envolveram nas histórias do golpista e tudo saiu conforme o plano criminoso, ou seja, o comprador fez o pagamento dos R$ 24,5 mil ao estelionatário e, depois, descobriu junto com o dono do carro que ambos tinham sido enganados. Diante do prejuízo, o comprador foi à Justiça e arrolou o dono do veículo como ‘requerido’ na ação para tentar reaver seu dinheiro.

O caso foi analisado pelo juiz Marcelo Vieira, da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal, e ele julgou parcialmente procedente a ação. Para o magistrado, os dois homens tiveram parte na culpa pelo prejuízo do autor da ação. “Nota-se, de forma clara, que ambos foram incautos. O requerente tencionava adquirir veículo, por valor bem abaixo do mercado, e não se acautelou que toda a história era muito pouco crível. O veículo pertencia a uma pessoa, que seria entregue pelo primo e o depósito de pagamento seria feito em nome de uma mulher, tal como foi feito. Já o requerido, embora não se possa reputar que agiu com conluio ou má-fé, deu azo à eficácia da fraude. Assim é porque afirmou que realmente era primo da a pessoa que tratou com o requerente, fato que deu credibilidade ao engodo de que ambos foram vítimas. De tal sorte que requerente e requerido agiram com culpa para o prejuízo ocasionado ao autor. O primeiro por não se acautelar diante de tamanhas incongruências na negociação entabulada. Já o segundo deu credibilidade ao fraudador ao seguir suas instruções, inclusive colocando fatos mentirosos para a consecução do negócio”, citou na sentença.

Para o magistrado, o contexto permitiu a conclusão de que houve concorrência de culpas, prevista no Código Civil, e consequentemente a partilha do prejuízo. “Como não é possível o aperfeiçoamento do negócio em vista da fraude praticada por terceiro e o não recebimento do preço pelo requerido, com fundamento no artigo 6º da Lei nº 9.099/1995, de rigor a partilha do prejuízo entre as partes”, julgou.

Como o comprador desembolsou R$ 24,5 mil para adquirir o veículo e não o obteve, e houve partilha do prejuízo, o dono do carro deverá pagar ao que fez a transferência a quantia de R$ 12,5 mil, corrigida desde 2 de julho, com juros de mora desde a citação. O juiz determinou ainda o levantamento da restrição de circulação do automóvel, para não impedir o dono do carro de usá-lo, e manteve eventuais restrições até o trânsito em julgado da demanda. Cabe recurso.

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