Professor de Limeira explica a ameaça do controle do Taleban no Afeganistão

Imagens de pessoas tentando fugir do Afeganistão, no Oriente, penduradas em um avião durante a decolagem, de tumulto no aeroporto de Cabul, de mulheres aterrorizadas, chocaram o mundo nos últimos dias. A volta do Taleban, movimento fundamentalista, ultraconservador e nacionalista islâmico, no último dia 15, causou terror em quem conheceu os atos de obscurantismo e repressão entre 1996 e 2001.

Após o 11 de setembro daquele ano, o grupo foi contido por tropas internacionais. Vinte anos depois o mundo deparou-se com a imagem de comandantes armados da milícia radical sentados em volta da mesa do gabinete da Presidência em Cabul. O que significa? Quais os reflexos para o mundo?

O DJ entrevistou o professor Wendel Ferraz, graduado em Geografia pela Unesp; mestre em Educação pela UFSCar e coordenador pedagógico do Colégio Jandyra, em Limeira.

A imagem de pessoas armadas reunidas em uma mesa para marcar a chegada ao poder do Taleban no Afeganistão percorreu o mundo. Qual o impacto dela num momento histórico em que a democracia enfrenta tantos desafios?
O movimento de ‘democracias liberais’ nas quais os governantes governam para seus apoiadores e não necessariamente para ‘todos’ promove debates sobre a ameaça à democracia.

Por isso não surpreende que China e Rússia – países conhecidos por desrespeitar os direitos humanos – logo acenaram aproximação com o governo Taleban no Afeganistão. Talvez esse gesto seja uma mensagem mais perigosa, subliminarmente, do que a própria tomada do poder pelo Taleban.

O Taleban pretende passar uma imagem de moderação ao mundo, mas já avisou que seu governo se dará dentro das linhas religiosas fundamentalistas que acredita. Como as potências devem ver esse discurso?
A promessa de uma atuação moderada ainda é uma incógnita e há um clima de desconfiança. As potências ocidentais observam tudo com muita cautela, tendo em vista o passado opressor e desrespeito aos direitos humanos praticado pelo Taleban, em especial contra as mulheres.

Isso marcou governo Taleban no Afeganistão entre 1996-2001, quando foram pulverizados pelas forças militares dos Estados Unidos e seus aliados. China e Rússia acenam aproximação, em parte como forma de minar a influência norte-americana em uma região que consideram sua área de influência.

A saída dos Estados Unidos foi um movimento desastroso?
Apesar de Biden defender a retirada das tropas, o modo como foi feita, subestimando a rapidez dos avanços do Taleban, culminando nas cenas de desespero no Aeroporto, pode ser considerada desastrosa. Na verdade, a longa ocupação no Afeganistão deve ser questionada, ao custo de bilhões de dólares e milhares de mortes de ambos os lados.

É uma situação no mínimo constrangedora para um país considerado superpotência mundial observar a retomada do poder do mesmo inimigo que havia sido debelado em 2001.

O presidente Joe Biden “jogou a toalha” ao afirmar que os Estados Unidos “não podem participar e morrer em uma guerra em que nem o Afeganistão está disposto a lutar”. No entanto, a volta ao poder de um grupo considerado por muitos países “terrorista” não traz impactos apenas aos EUA, mas à comunidade internacional como um todo. Como vê essa postura dos EUA em uma perspectiva de conjuntura internacional?
Um dos desafios que os Estados Unidos enfrentam, sem dúvida, é tentar consolidar-se como superpotência mundial diante do crescimento geopolítico e econômico da China e a percepção dos países orientais de uma suposta “decadência” do ocidente.

Esse episódio no Afeganistão motiva debates sobre a necessidade de um maior protagonismo europeu nos imbróglios e conflitos internacionais. Além disso, o que aconteceu no Afeganistão coloca em cheque a capacidade dos norte-americanos de “impor seus valores e defender a democracia” sem empecilhos.

Há risco de uma nova onda de “islamofobia” em todo o mundo? Quais os perigos disso?
A maior arma contra o preconceito é a informação, o conhecimento. Muitos líderes islâmicos afirmam ser contrários à rígida aplicação da Sharia (lei islâmica).

Assim como precisamos distinguir professos cristãos que cometem atrocidades “em nome de Deus”, é importante diferenciar islâmicos moderados daqueles que cometem atrocidades “em nome de Alá”. O risco depende de como a mídia abordará o assunto e levar à população esses dois lados.

O Afeganistão é uma espécie de “cemitério de impérios”. Vários países fracassaram, ao longo dos séculos, na tentativa de estabilizar a nação asiática. Por que tantas dificuldades?
O Afeganistão é um país populoso e com enorme diversidade étnica e tribal, além de disputas entre as facções do islamismo. Esse cenário é propício para instabilidade política e terreno fértil para a insurgência de grupos fundamentalistas que prometem “lei e ordem”, ao custo do cerceamento das liberdades e violação dos direitos humanos.

Não raro eles se abrigam no território montanhoso que caracteriza a geografia deste país. Além disso, as tribos têm uma lógica de autodefesa e um histórico de resistência. Esse cenário explica o fracasso de potências invasoras como o Reino Unido, União Soviética e agora os Estados Unidos em dominar ou pacificar o país.

Do ponto de vista das relações diplomáticas e o direito internacional, o que esperar da comunidade internacional em relação aos últimos acontecimentos no Afeganistão?
As potências ocidentais tentarão pressionar o governo Taleban por meio do estrangulamento financeiro. De imediato, houve o bloqueio da ajuda financeira do Banco Mundial e a ajuda de países como a Alemanha, por exemplo. Se a interrupção dessa ajuda – que sustenta boa parte da economia local – será temporária, precisamos aguardar o desenrolar dos acontecimentos.

Isso explica, em parte, os discursos moderados do Taleban, ciente da importância desses recursos e que estão associados a uma atuação mais “branda” do que o governo de 1996-2001. É provável que países com ditaturas ou pseudo-democracias como China e Rússia respectivamente, realizem uma aproximação.

Foto: Divulgação

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.