Política e religião devem se misturar? Parte 1

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

Nunca na história deste País as religiões tiveram tamanha importância em um processo eleitoral, como o de 2022. Diversos credos e líderes religiosos vieram a público se manifestar sobre suas preferências políticas e participando ativamente como cabos eleitorais de candidatos.

O púlpito das igrejas se transformou em palanques eleitorais, onde a Bíblia e a política faziam parte de uma coisa só. Há relatos assustadores de narrativas protagonizadas por pastores e padres, que definiam sua preferência, utilizando a vontade divina, como argumento para as escolhas.

Nem sempre, segundo estes relatos, os métodos eram republicanos. O medo e o fundamentalismo, aliado a interesses corporativos, foram decisivos para o voto de fiéis, em especial entre os cristãos. Uma Guerra Santa estava se avizinhando, com partidários de Bolsonaro carregando a cruz e, ao mesmo tempo, uma arma, literal ou simbólica da violência e do ódio.

A pauta de costumes, trabalhada pelos bolsonaristas desde as eleições de 2018, era recheada de fake news contra adversários. Um dos mais famosos destas “mensagens”, distribuídas nas redes sociais, veio a ser o delírio do Kit Gay, supostamente um material que estimula a homossexualidade e que seria distribuído pelo PT, caso Lula vencesse as eleições.

Mas o que muitos, inclusive, boa parte dos que votaram em Jair Bolsonaro não se atentaram para o lema do bolsonarismo, repetido por seu líder maior o tempo todo. “Deus, Pátria e Família” parece, para as novas gerações, desinformados e desavisados, um slogan original, vindo de um político afeito a admirar ditadores, torturadores e líderes de extrema direita.

Muitos sequer imaginam que a frase denota de uma concepção, oriunda do Integralismo brasileiro da década de 30 do século passado. O Integralismo representava sem rodeios e abertamente o fascismo em curso na Itália e no mundo todo. O bolsonarismo o ressuscitou, sem maiores explicações, e colocou na agenda política três alicerces de sua política, onde a religião tem um papel fundamental.

Nicolau Maquiavel, o famoso assessor e conselheiro de Príncipes entre os séculos XV e XVI, defendia que o que mais interessava nas religiões não eram os seus líderes, mas o que sai da boca deles, em especial discursos onde a fé seria o motor para a defesa do Estado, mesmo o pensador a argumentar a laicidade dos governos.

Maquiavel, que vivia em um momento histórico onde a reforma protestante começava a abalar as estruturas do Catolicismo que tiram seu protagonismo e a ideia de único entre as religiões, aconselhava os reinos de maioria cristã e católico romana a se relacionar com todas as seitas.

Porem, já naqueles tempos, a narrativa de quem representa Deus na terra promoveu verdadeiras guerras, com muito sangue, tendo a Cruz como bandeira e justificativa para matar, excluir e explorar. Entre os conselhos de Nicolau, estava a ideia da prosperidade. O florentino dizia que a fé não podia criar consciências coletivas e sim a politica da prosperidade pessoal e individual.

Nos anos 50 do século passado, surge nos Estados Unidos, entre as igrejas evangélicas neopentecostais, a teoria ou a teologia da prosperidade ou mesmo o Evangelho da Prosperidade. A partir da ideia de que professar a fé em determinada religião, frequentá-la e com ela contribuir, a vida financeira da pessoa dará um salto rumo a sua melhora. Tal prosperidade rejeita o coletivo, a organização das pessoas rumo a uma sociedade justa e igualitária.

Aqui queremos fazer um parêntese: somos sabedores de que boa parte das instituições e lideranças religiosas têm propósitos humanitários e de pregar o evangelho de Jesus Cristo com base em suas prioridades de defender os pobres e oprimidos.

Mas não podemos deixar de frisar que, neste século XXI, esta concepção que une fé e saúde financeira individual tem crescido enormemente. O Estado Laico é derrubado com esta tese de que a “salvação” terrena e pós-morte se dá em determinada seita religiosa e cabe aos governos garantir a existência destas instituições, com leis de proteção contra supostos inimigos.

Por isto até, no caso brasileiro, meados da década de 80, a maioria das crenças defendia uma distância da política, em especial a partidária, a partir da década seguinte, o incentivo e a promoção de fieis a disputas eletivas se fez presente e com muita força.

Conforme vai crescendo a participação de representantes religiosos nas esferas de governo, mais poder as instituições adquirem. Pois o discurso da prosperidade ganha um forte aliado: o Estado. A garantia de que pautas de costumes não enveredem em derrubar “doutrinas” das seitas é um dos pilares desta política da prosperidade.

E aí entra a terceira e ultima parte do tripé fascista/bolsonarista: a família.

Neste contexto, o modelo é a nuclear, hetera e de defesa de supostos valores morais, e aí se levanta bandeiras de exclusão e preconceito, como a homofobia, a xenofobia, a de classe social, o racismo e outras. Aliás, o pilar da prosperidade é a família, constituída com papai, mamãe e filhinha, pois os frutos do sacrifico da fé são para os que vivem no mesmo teto e do mesmo sangue.

Não é à toa que, nas manifestações antidemocráticas ocorridas na última semana, símbolos desta tríade estavam sempre presentes.

Deus Cristão, de preferência, representado por orações, líderes e frases bíblicas que levam a ideia da prosperidade e da suposta verdade absoluta.

Pátria se faz presente, cantando o hino nacional, fazendo reverência aos militares como se fossem salvadores da pátria e a apropriação ilegal dos símbolos nacionais, inclusive pagando mico usando a camisa da seleção.

E, por último, já explícito aqui, a instituição da família tradicional, que hoje já não é majoritária no cenário Nacional.

O bolsonarismo, como já falamos em outros ensaios, não inventou a roda. Não é inédita sua filosofia. Mas em relação a outros movimentos políticos, consegue extrair das ideologias autoritárias e absolutistas, pontos essenciais para se tornar uma ideia permanente.

A religião e sua relação com a política passa a ser fundamental para estes movimentos extremistas. A extrema direita no Brasil sempre existiu. Mas era um microcosmos, que não passava de 15%. Era desorganizada e não tinha um líder que a representasse com veemência e autoridade. Bolsonaro conseguiu isto, mas fundamentalmente se agarrando na religião que prega a prosperidade e não a igualdade e a justiça.

Semana que vem, vamos continuar este tema, abordando o outro lado da moeda sobre religião e política.

A todas e a todos, um bom final de semana.

João Geraldo Lopes Gonçalves é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.