Os crimes e a responsabilidade do presidente da República

por Felipe Rissotti Balthazar

Na história política do nosso país, não é de hoje que ouvimos falar sobre a possibilidade de responsabilização daquele que ocupa o mais alto cargo da República. Desde o ano de 1945, já foram abertos 5 processos de Impeachment contra Presidentes da República, sendo o primeiro aberto contra o então Presidente Getúlio Vargas, que na época foi rejeitado pelo plenário da Câmara Federal, atualmente conhecida como Câmara dos Deputados. 

O segundo foi contra Carlos Luz e o terceiro, contra Café Filho, que ocorreu de forma “apressada”, na época. O penúltimo se deu contra Fernando Collor, que, embora tenha renunciado durante o processo, não conseguiu “escapar” da sua responsabilização e, consequentemente, seu afastamento e inelegibilidade por 8 anos. 

Por último, e talvez o mais conhecido deles, contra a então presidente Dilma Rousseff (2016), resultando em seu afastamento do cargo, mas sendo preservados os seus direitos políticos. Uma curiosidade para os mais jovens, é que apenas no caso do impedimento de Dilma Rousseff, o processo de impeachment teve seu integral cumprimento no país, haja visto que no caso de Fernando Collor, houve sua renúncia ao cargo durante o curso do processo de afastamento.

MAS COMO ESSA RESPONSABILIZAÇÃO OCORRE?

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 85, trata dos crimes de responsabilidade do Presidente da República de forma mais genérica, somente demonstrando o “direcionamento” que os crimes devem tomar. Já no parágrafo único do mesmo artigo, a Constituição descreve que os crimes de responsabilidade serão definidos em lei especial. 

Todavia, ao contrário do que muitas pessoas pensam, os crimes de responsabilidade já existiam muito antes da promulgação da Constituição de 88, uma vez já estava em vigor a Lei 1.079/50 (Lei do Impeachment), no qual descreve em detalhes cada uma das condutas dispostas no art. 85, da CF, bem como todas as formalidades que envolvem o processo. 

Na verdade, o que posteriormente a Constituição de 1988 fez, foi legitimar as antigas definições da Lei 1.079/50 e abrir novos horizontes para possíveis novas tipificações que tratassem de crimes de responsabilidade.

O Presidente da República goza de imunidades formais em relação ao processo, pois só poderá ser processado, seja por crime comum ou por crime de responsabilidade, após o juízo de admissibilidade da Câmara dos Deputados, através de votação pelos membros da casa, necessitando de um quórum de 2/3 dos votos para autorizar o início do processo.

Importante mencionar que o Presidente não poderá ser preso pela prática de infrações penais comuns, enquanto não recair sobre ele sentença condenatória. Além disso, durante o tempo do seu mandato, não poderá ser responsabilizado por atos “estranhos” ao exercício de suas funções, ou seja, só será responsabilizado pela prática de infrações penais durante o seu mandato.

O PRESIDENTE POSSUI ALGUMA PRERROGATIVA PELO CARGO QUE OCUPA?

A Constituição Federal prevê para o Presidente da República prerrogativa de foro, pois somente o Supremo Tribunal Federal poderá processá-lo e julgá-lo por crimes comuns (CF, art. 102, I, b) e somente o Senado Federal poderá processá-lo e julgá-lo pelos chamados crimes de responsabilidade (CF, art. 52, I). 

Todavia, como já dito anteriormente, o Presidente somente será processado e julgado perante as autoridades mencionadas, sempre após a autorização da Câmara dos Deputados, preservando a independência, harmonia e separação dos poderes.

QUAIS SÃO OS CRIMES COMUNS E DE RESPONSABILIDADE QUE O PRESIDENTE PODERÁ SER PROCESSADO E JULGADO?

Os crimes ditos “comuns”, são aqueles que podem ser cometidos por qualquer um do povo, inclusive o Presidente, abrangendo todas as modalidades de infrações penais, delitos eleitorais, incluindo até mesmo, os crimes contra a vida e as contravenções penais. Para que seja iniciada a persecução penal nos crimes comuns, é necessário que estes tenham ocorrido durante o mandato presidencial, ou seja, ilícitos penais praticados no desempenho do mandato (in officio) ou em razão dele (propter officium).

Já os “crimes de responsabilidade”, são infrações político-administrativas, definidas na Lei 1.079/50, nas quais o Presidente poderá incorrer no desempenho de suas atribuições. Será considerado crime de responsabilidade a conduta que atente contra a existência da União, o livre exercício dos Poderes do Estado, a segurança interna do País, a probidade da Administração, a Lei orçamentária, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais e o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Importante destacar que o art. 85 da Carta Magna, prevê um rol meramente exemplificativo dos crimes de responsabilidade, pois o Presidente poderá ser responsabilizado por todos os atos atentatórios à Constituição Federal, desde que passíveis de enquadramento idêntico ao já mencionado rol, sendo necessária previsão legal em lei federal.

O Presidente será responsabilizado havendo a consumação do crime ou não, ensejando imposição de sanção política, ainda quando simplesmente tentado.

QUEM PODE DENUNCIAR?

Em se tratando de crime comum, somente o Procurador-Geral da República poderá apresentar ao Supremo Tribunal Federal denúncia contra o Presidente da República. Já nos crimes de Responsabilidade, qualquer cidadão nacional (em pleno exercício de seus direitos políticos) poderá apresentar acusação/denúncia contra o Presidente da República na Câmara dos Deputados.

QUAIS PENALIDADES PODEM OCORRER?

A Constituição Federal prevê em seu art. 52, parágrafo único, duas sanções autônomas e cumulativas a serem aplicadas na hipótese de condenação por crime de responsabilidade, sendo elas: a perda do cargo e sua inabilitação por 8 anos para o exercício de qualquer função pública.  A inabilitação abrange todas as funções públicas, sejam as derivadas de concursos públicos, sejam as de confiança, ou mesmo os mandatos eletivos. Sendo assim, o Presidente da República condenado por crime de responsabilidade, além de perder o mandato, não poderá candidatar-se ou exercer nenhum outro cargo político eletivo nos 8 anos seguintes.

Felipe Rissotti Balthazar (@rissotti.adv) é advogado criminalista, pós-graduando em Direito Penal Econômico pela UniAmérica.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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