O Brasil ainda é um país de desigualdades sociais

por Raabe Ariza Amaral

A bela teoria estampada na nossa Constituição Federal traz a garantia da igualdade social, mas ainda estamos longe do projeto de uma sociedade livre, justa e solidária, pois a desigualdade de gênero, ponto central desta reflexão, infelizmente é extremamente evidenciada em nossa na sociedade.

É justamente neste sentido que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desenvolveu o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, incentivando os magistrados a analisarem o caso concreto sob a ótica da realidade em que as partes estão inseridas, promovendo a superação das diferenças sociais, dentre elas, a desigualdade de gênero.

Tamanha responsabilidade, uma vez que o magistrado deverá volver-se à análise de todo o quadro fático a fim de identificar o contexto sob o qual se está inserida esta controvérsia, questionando-se: “é possível identificar desigualdade estrutural?”.

Com base neste protocolo traçado pelo CNJ, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, julgou um Recurso Ordinário em uma reclamação trabalhista (processo número 1000573-83.2022.5.02.0708) utilizando por fundamento a perspectiva de gênero no caso de uma trabalhadora que se ausentou das suas atividades laborais por mais de 30 dias, tendo sido aplicada a dispensa por justa causa pelo empregador diante da caracterização de abandono de emprego.

Neste processo, a trabalhadora, ocupante do posto de ajudante geral, no primeiro trimestre de gestação apresentou diversos episódios de enjoos, vômitos e tonturas que a levaram a diversos atendimentos médicos, contudo, nestas consultas foram disponibilizadas apenas declarações de comparecimento e não atestados médicos em si, ou seja, estas ausências não estariam justificadas, do ponto de vista legal, por inexistência de lei ou norma coletiva que autorize o abono do período de ausência com base apenas na declaração de presença.

As provas dos autos caminharam no sentido de que, por mais que houve a ausência superior a 30 dias, o que justificaria a dispensa por falta grave praticada pela obreira por abandono de emprego, esta trabalhadora manteve contato com a empresa, informando todo o calvário que vinha sofrendo com os episódios inerentes ao período gestacional.

É importante esclarecer que o abandono de emprego pressupõe a presença de dois requisitos, um objetivo e outro subjetivo, sendo eles:

a) a ausência injustificada do trabalhador por mais de 30 dias do seu posto de trabalho e

b) a demonstração de ânimo do trabalhador em não mais retornar às funções mesmo após convocação do seu empregador para que justifique as ausências.

Diante da análise da realidade vivenciada por aquela gestante, concluiu-se que em nenhum momento aquela trabalhadora teve a intenção de abandonar seu posto de trabalho (requisito subjetivo) em outras palavras, os julgadores entenderam que a gestação pode causar diversas alterações ou sintomas fisiológicos na mulher, sendo que tais indisposições nem sempre requerem atendimentos médicos.

Em síntese, verifica-se que neste caso em concreto foi aplicado o Protocolo de Julgamento sob a Perspectiva de Gênero, pois, o entendimento do Tribunal foi no sentido de que, em que pese a presença do requisito objetivo do abandono de emprego (ausência superior a 30 dias), não teria restado configurado o ânimo de não retornar ao trabalho, uma vez que a reclamante manteve contato com seu empregador a todo momento, apresentando todos os motivos pelos quais não conseguia retornar às suas funções, demonstrando que os julgados consideraram a realidade social em que as partes estavam inseridas.

Por fim, diante dessas considerações, podemos perceber um avanço, ainda que a passos lentos, dentro de todo o Poder Judiciário, no que diz respeito à humanização das decisões, que deverão ser fundamentadas, também, levando em consideração as desigualdades sociais e as possíveis intercorrências que elas trazem na vida do trabalhador.

Raabe Ariza Amaral (raabe.ariza@hotmail.com) é advogada trabalhista

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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