Balanço do Primeiro Semestre Político de 2023

Por Leandro Consentino

As relações entre o terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva e o Congresso Nacional permanecem em rota de colisão, ainda que as perspectivas de melhora econômica tendam a amainar os conflitos e estabelecer uma dinâmica vitoriosa em favor do Executivo. Tal perspectiva, contudo, apenas tende a abrandar os ânimos, uma vez que o sistema político brasileiro deve criar incentivos para novas crises, sobretudo tendo em vista o cenário de 2024.

Primeiramente, é importante ter presente que Lula não dispõe de uma base parlamentar fiel para além dos votos da esquerda que não chegam a metade dos parlamentares em cada casa. Ainda que alguns partidos de centro mais fisiológico estejam contemplados nos ministérios – com destaque para o PSD, o MDB e o União Brasil – os votos em matérias de interesse do governo nem sempre estão garantidos.

Nesse sentido, a dependência do governo passou a ser cada vez maior dependente dos presidentes das duas casas do Congresso Nacional – em especial do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP) – cuja ascendência sobre o chamado “Centrão” é incontestável. Por essa razão, as derrotas legislativas do governo, no início do ano, deram lugar a uma disputa entre Lira e o governo.

O resultado dessa querela tem sido a investigação do presidente da Câmara pela Polícia Federal devido a supostos esquemas de corrupção de aliados em Alagoas, seu reduto eleitoral, além da reabertura de um inquérito no âmbito do Supremo Tribunal Federal contra o próprio Arthur Lira. Em contrapartida, projetos como aquele que regulava o combate às notícias falsas (fake news) ou que alteravam o marco do saneamento básico foram esvaziados por Lira na Câmara.

Além da queda de braço pelas medidas, a instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito – favoráveis e contrárias ao governo, tais como a dos atos de 8 de Janeiro ou a do Movimento Sem Terra – tem dificultado a tramitação de projetos que poderiam estabelecer um ritmo mais veloz à administração pública, com ganhos para a imagem de Lula.

A exceção ficou por conta de medidas na área econômica como o chamado arcabouço fiscal, que já aprovado na Câmara e modificado no Senado, deve retornar para apreciação dos deputados federais. Já no caso da propalada reforma tributária, as dificuldades para atingir um mínimo consenso devem ser de maior monta, provavelmente desfigurando completamente a proposta original do governo, oriunda do secretário especial Bernard Appy.

Tais perspectivas, muito mais pela direção que pela velocidade, têm sido determinantes para que as expectativas econômicas do país estejam paulatinamente melhores. No entanto, é impossível dissociar essa melhora do trabalho do Banco Central independente que, apesar do assédio do governo e de parte do setor produtivo, tem sinalizado um combate implacável à inflação, com base na manutenção da taxa de juros, ainda que em um elevado patamar de 13,75%.

A despeito de tal medida beneficiar o governo na manutenção de um ambiente menos tumultuado na economia, o presidente Lula e alguns apoiadores mais à esquerda vêm criticando, de maneira contundente, o trabalho do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, associando-o ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), responsável tanto pela independência da autarquia como pela indicação de Campos Neto.

Ao fustigar o presidente do Banco Central, o governo mira a oposição que, cabe asseverar, enfrenta seus próprios problemas. A principal delas diz respeito ao processo que ora tramita no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e que tornou seu mais importante nome, o ex-presidente Bolsonaro, inelegível por oito anos. Dessa forma, Jair Bolsonaro, condenado por atacar o sistema eleitoral, está privado de disputas eleitorais até 2030, apenas podendo figurar na urna em 2032.

Nesse sentido, os bastidores por um substituto no campo da direita começam a fervilhar entre as diversas hipóteses que vão desde a esposa de Bolsonaro, Michelle, ou um de seus filhos – Flávio, Eduardo ou Carlos – até os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (REP) e de Minas Gerais, Romeu Zema (NOVO) e até mesmo Eduardo Leite (PSDB). Enquanto os familiares de Bolsonaro também enfrentam problemas judiciais, os governadores precisam consolidar sua imagem junto ao eleitorado bolsonarista enquanto, ao mesmo tempo, acenam para o centro.

Assim sendo, o teste central, tanto para o governo como para a oposição, deve se dar em três atos. Primeiramente, em 2024, as eleições municipais devem determinar a correlação de forças para os dois grupos, determinando a base política nos municípios que dará suporte partidário a cada um dos deputados federais e senadores. Com a provável ascensão de partidos do Centrão – tendência que já tem sido observada em 2016 e 2020 – o conflito entre os dois grupos deve passar por bases ainda mais fisiológicas e clientelísticas.  

Um segundo ato dessa disputa deve se dar, ao final de 2024, com a nomeação do novo presidente do Banco Central, provavelmente com orientação heterodoxa e/ou de confiança do presidente Lula. Ainda que a oposição não possa contrariar ao nome escolhido por Lula – cuja indicação deverá recair sobre Gabriel Galípolo – deve criar resistência a uma mudança de rumos na condução de Campos Neto, atingindo as expectativas futuras.

Por fim, no início de 2025, as eleições para as mesas da Câmara e do Senado, nas quais os atuais mandatários não poderão figurar como candidatos, mas cuja influência sem dúvidas será determinante, devem constituir mais um ponto de disputa entre governo e oposição. Caso o governo não consiga emplacar aliados nas duas posições, pode ter sérias dificuldades de governabilidade no último biênio, abrindo caminho para a emergência de uma alternativa de oposição em 2026.

Nesse sentido, é fundamental mirar a dinâmica atual com os olhos voltados para esses três momentos nos próximos anos, a fim de compreender as vitórias e as derrotas do governo e da oposição. Ademais, os resultados dos embates entre ambos devem determinar uma maior ou menor probabilidade de reeleição ou de nova mudança de rumos no país nas próximas eleições gerais.

Por fim, é preciso ter presente que a confirmação de uma melhora no ambiente econômico ou uma deterioração do mesmo – seja por questões internas ou por influência internacional – será determinante para que tanto os agentes de mercado como a população em geral permaneçam dando suporte ao governo de Lula, avalizando sua reeleição, ou busquem um novo nome para presidir o país, a partir de 2026.

Leandro Consentino é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Ciência Política pela mesma instituição. Atualmente, é professor de graduação no Insper e de pós-graduação na FESP-SP.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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