Lavagem de dinheiro do tráfico em Limeira inclui casa de cinema e conta de passagem com R$ 778 mil

A condenação de três pessoas de Limeira por crime de lavagem de dinheiro, em julgamento ocorrido no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) na quarta-feira (05/05), revela detalhes de como o tráfico de drogas movimenta quantias elevadas de dinheiro na cidade e envolve aquisições de imóveis, alguns em condomínios fechados, na tentativa de ocultar a origem dos valores.

O DJ teve acesso à decisão que conclui investigação iniciada pela Polícia Federal a partir da Operação Gaiola, que desmontou um braço do tráfico em Limeira sob organização de uma facção criminosa. A partir da prisão e apreensão de bens nesta operação, em 2015, os federais foram atrás da origem do patrimônio dos envolvidos e descobriram que nada condizia com os rendimentos que ganhavam.

Casa de cinema

Um dos condenados morava em condomínio fechado localizado na zona norte de Limeira. A casa teria sido comprada de um primo, em construção. O valor declarado foi de R$ 60 mil, bem abaixo do que foi pago – entre R$ 200 mil e R$ 300 mil. O imóvel, no entanto, vale mais – foi avaliado entre R$ 750 mil e R$ 1 milhão. A transferência foi feita após a prisão do homem, por sua esposa.

O responsável pela casa era conhecido como um dos líderes do tráfico de drogas na região. No imóvel, os federais encontraram documentos relativos às movimentações financeiras, recibos de pagamentos e anotações de nomes de pessoas relacionadas ao tráfico. Conforme relato que consta nos autos, o interior da casa parecia “coisa de cinema”: vários cômodos, ar-condicionado em todos os ambientes e porcelanato nos pisos.

Outros imóveis

Não era apenas este imóvel. A investigação da PF identificou mais três imóveis – entre eles, um apartamento – adquiridos pelo dono da casa no condomínio e seu irmão, e mais um Fiat Strada, também em nome de uma mulher, como bens de origem desconhecida. Além disso, uma conta bancária com movimentações atípicas de dinheiro reforçou a convicção da polícia e do Ministério Público sobre a lavagem de dinheiro de capitais, crime previsto no artigo 1º, “caput”, da Lei 9.613/98.

No período entre maio de 2013 e abril de 2014, o líder do tráfico não exercia atividade lícita. O último vínculo empregatício era no valor de R$ 1,2 mil mensais. A mulher, com quem ele dividia a posse do carro, não tinha atividade formal e disse que era cabeleireira. Quando ela pediu e obteve na Justiça a liberação do carro que havia sido apreendido, ela entregou-o à esposa do líder. Em sua defesa, disse que ganhava R$ 3 mil e comprou o carro junto com o então namorado, colaborando com R$ 15 mil – ele pagou o restante.

O irmão do dono da casa no condomínio vivia a mesma realidade. Tinha atuado como motorista de ambulância e de resgate de concessionárias de pedágios. Ele alegou que o dinheiro vinha de um período em que trabalhou nos Estados Unidos, mas a polícia apontou que isso ocorreu no ano de 2000, muito tempo antes da aquisição dos imóveis. Em suas declarações de imposto de renda, a Receita Federal identificou patrimônio a descoberto de R$ 407 mil.

Na defesa, o réu contou que esteve nos EUA entre 2000 e 2003, trazendo dólares na volta da viagem, inclusive por meio de depósitos. Com estes valores, teria adquirido os dois imóveis investigados.

A conta de passagem

Durante a Operação Gaiola, os federais encontraram na “casa de cinema” um documento com dados de outra mulher, já falecida. Trata-se de uma declaração de assunção de risco pelo transporte de valores em espécie que ela fazia.

A mulher foi presa quando levava 46 kg de cocaína. A partir disso, a PF detectou movimentações elevadas em sua conta bancária. A polícia apontou que esta mulher fazia a lavagem de dinheiro do esquema. Mesmo sem rendimento lícito, a conta movimentou R$ 780 mil no período de um ano. “Tratava-se de conta ‘de passagem’, utilizada para movimentação advinda do nefasto comércio de tráfico de drogas, pois acompanhados de sucessivos créditos expressivos e débitos de mesmo valor, ocultando-se, assim, os verdadeiros beneficiários”, decidiu o TJ.

Preços destoantes

No julgamento na 13ª Câmara de Direito Criminal do TJ, o relator do caso, Augusto de Siqueira, resumiu as provas: “Os preços absolutamente destoantes do efetivo valor dos imóveis adquiridos, além da ausência de rendimentos suficientes, pelos apelantes, para a compra desses bens, gerando crescimento patrimonial incompatível com os ganhos comprovados, não deixam dúvida do crime de lavagem de dinheiro. O mesmo se diga quanto ao veículo Fiat / Strada, supostamente adquirido por […], mas que permanecia na posse de […], sem que […] tenha comprovado possuir renda para adquiri-lo”, diz trecho.

A Justiça decretou o perdimento de todos os imóveis e do veículo desta apuração. O responsável pela casa no condomínio recebeu pena de 7 anos e 2 meses de reclusão, em regime inicial fechado; o irmão foi sentenciado a 4 anos de prisão; e a mulher terá de cumprir 3 anos em regime aberto, pena convertida em prestação de serviços comunitários e pagamento de 10 salários mínimos.

As defesas ainda podem recorrer contra a decisão.

Foto: Pixabay

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