por Farid Zaine
@farid.cultura

A memória tem sido um tema recorrente no cinema, seja o assunto principal abordado, seja um dos  componentes que dão luz à trama. O que significa “Rosebud”? O mistério da palavra atravessa todo o clássico “Cidadão Kane”, o inovador e ousado drama de Orson Welles, que mistura passado e presente, numa narrativa formalmente extraordinária para a época. “Cidadão Kane” (1941) lida com a perspectiva da memória, mediada pela imprensa” (Hanny Saraiva). Mais de 40 anos depois, um dos maiores clássicos de ficção científica, que marcou definitivamente o cinema dos anos 1980, “Blade Runner – O Caçador de Androides” (1982), tinha em sua dramática beleza o enigma das memórias implantadas. As lembranças, então, seriam de coisas realmente vividas ou apenas recursos cibernéticos para implantar memórias em “replicantes” (androides mais próximos do ser humano do que um robô)? O grande filme de Ridley Scott teve uma continuação, não menos brilhante, “Blade Runner 2049”, dirigida por Dennis Villeneuve em 2017.

Sem comparação com grandes clássicos, chega agora aos cinemas o drama “Caminhos da Memória” (Reminiscence), de Lisa Joy. Aqui temos um longa de ficção futurista distópica, em que a memória é a base de  um negócio tocado em uma Miami quase toda alagada. A princípio, por esse preâmbulo, poderia o leitor pensar em uma história numa cidade inundada, talvez por causa do aquecimento global. Mas não é  apenas isso.

A história de “Caminhos da Memória” trata de política e corrupção, amor, violência, redenção. Hugh Jackson vive Nick Bannister, um especialista em investigar memórias e resolver problemas de pessoas que pagam por esse serviço. Um dia ele recebe uma mulher, Mae (Rebecca Ferguson), que deseja saber onde perdeu suas chaves. A partir da busca da memória dela para obter essa revelação, ele entra no universo dessa mulher, tomado por súbito encantamento,  indo além do seu mero trabalho.

As descobertas de Bannister levam-no  a um envolvimento romântico com Mae, e a uma consequente viagem pelas memórias dela e das pessoas envolvidas com sua complicada história, ligada a uma trama recheada de gente ruim e mal intencionada. Descobrir quem seria Mae, de verdade, passa a ser a obsessão de Bannister, a partir do momento em que ela desaparece.

“Caminhos da Memória” é um filme plasticamente muito bonito, com efeitos visuais interessantes, ótima fotografia e competente direção de arte. Hugh Jackman, que tem crescido a cada filme como ator, segura todo o longa com uma interpretação segura, em que consegue dar credibilidade tanto às  cenas de ação, quanto aos momentos delicados de puro romance. A mistura explosiva de tráfico de drogas, desaparecimento de pessoas,  assassinatos e tentativas de queimas de arquivo, tem no relacionamento de Bannister com Mae uma ponte de equilíbrio.

“Caminhos da Memória” entrega menos do que promete, mas ainda assim é um filme com muitas qualidades. Hackman, ator completo, saiu do estereótipo construído na cinessérie X-Men (Wolverine) e se envolveu em projetos bem diferentes, que lhe deram a chance de demonstrar sua versatilidade, o que ficou bem claro quando cantou em “Les Miserables” e “O Rei do Show”.

Lisa Joy estreou bem com seu primeiro longa como diretora. Ela não é Ridley Scott, nem Dennis Villeneuve. Mas mostrou que tem tudo para chegar lá.

CAMINHOS DA MEMÓRIA (Reminiscense, EUA, 2021) – Em cartaz nos cinemas

Cotação: **** Muito bom

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