Futebol: o ópio do povo?

por João Geraldo Lopes Gonçalves

O título parodia uma frase famosa e que causa polêmicas até os dias atuais. Karl Marx teria dito “A religião é o ópio do povo” e a mesma foi traduzida por adversários do marxismo e até por simpatizantes como um recado às igrejas de que uma nova sociedade não permitiria que a fé em Deus ou deuses seria praticada.

Durante décadas se pensou que regimes não capitalistas, por princípios dogmáticos, censuravam as religiões e professavam o ateísmo. Puro equívoco. Decerto que os regimes do “socialismo” burocrático do Leste Europeu perseguiram seitas e igrejas. Mas é real também que, em países como Cuba e a Nicarágua dos anos 80, a organização religiosa, era perfeitamente permitida.

Em Havana, na Catedral de Nossa Senhora de Regla, convivem lado a lado no interior da igreja o sincretismo de católicos e membros do candomblé. Há muita propaganda ideológica nos países capitalistas nesta questão. Porém, existe também uma hipocrisia enorme na tal liberdade de culto religioso.

Os mesmos que condenam o ateísmo nos países ditos socialistas praticam a intolerância com a perseguição de cultos afros e outras denominações.

Nunca achamos que a religião é o ópio do povo. Para quem não sabe, o ópio é o suco extraído da planta de nome anfião e apareceu pela primeira vez na China milenar. O látex contém 12% de morfina e serve como um forte analgésico. Mal utilizado, funciona como um narcótico, que produz sintomas de criar outra realidade. É um alucinógeno, que inclusive pode matar.

Nos tempos de Marx, a droga do momento, que circulava entre as elites nos castelos, palácios e residências, monárquicas e até eclesiais, era o ópio. Assim, para explicar o papel da hierarquia da Igreja em seu tempo que, em sua opinião, funcionava como um alucinógeno para o povo, o tirando de sua real situação, de explorados pelos ricos e vivendo na fome e na miséria.

Desta forma, se pensava parte das esquerdas e democratas durante o regime militar no que diz respeito ao futebol, o esporte bretão que, embora não surgiu no Brasil, se popularizou aqui mais do que na Inglaterra, onde se deu seu nascedouro.

O futebol faz parar um país, não foi uma ou duas vezes que as ruas e avenidas ficam vazias quando uma partida está acontecendo. Nos anos 70, alguns afirmavam que o comportamento de torcedores nos estádios era reflexo da situação socioeconômico e política em que viviam no país.

Ir para as arquibancadas, xingar a mãe do juiz, ofender o gênero de jogadores, bem como brigar, eram sintomas dos problemas que enfrentavam os trabalhadores brasileiros. Chorar pelo time do coração, e mesmo aceitar a opressão de ganhar baixos salários e ter péssimas condições de vida, era o ópio defendido por alguns.

Pensamos que o futebol é um patrimônio histórico e cultural dos brasileiros. A paixão pela bola redonda vai além de nossa compreensão, bem como no contexto em que nos inserimos.

A cultura popular, e o futebol é parte dela, representa a manifestação de desejos e sentimentos do povo. Torcer por um clube é escrever sua própria história. Não é à toa que o Palmeiras foi fundado por italianos. Os imigrantes viam no time uma forma de defender suas tradições e culturas.

No entanto, o que não combina com o esporte é a violência.

A violência não pode ser válvula de escape para os problemas reais, os que acontecem fora dos estádios. Não pode a agressão ao adversário de arquibancada, que muitas vezes é o vizinho, o companheiro de trabalho, um parente, ser esta fuga.

Para quem está lendo este texto, pode reparar que levantamos uma tese. O comportamento de um povo é sim reflexo do que ele vive, em especial do que ele sofre. Não é o futebol que cria a violência ou a estimula, embora sejam os dirigentes do esporte responsáveis por permitir que a violência ocorra.

Nas últimas semanas, temos acompanhado um verdadeiro show de horrores: bomba no ônibus dos jogadores do Bahia; pedras atiradas no ônibus do Grêmio gaúcho; torcedores agridem jogadores do Paraná Clube dentro de campo, casos de prática de racismo, torcedor agride uma funcionária do Estádio do Limeirão em Limeira, no Estádio do Náutico, em Recife, um torcedor é preso por usar símbolos nazistas na arquibancada.

Estes fatos aconteceram nos últimos dez dias. Não são isolados, nem tão pouco esporádicos. No ano passado, a delegação do São Paulo sofreu um ataque com pedras e paus de sua própria torcida. Ameaças de morte a jogadores e técnicos não são exceção. Tem se tornado regra.

Quando fatos começam a fazer parte do cotidiano, não se pode dizer de se tratar de meia dúzia de loucos bêbados ou drogados.

Uma ex-vereadora de Limeira dizia que uma liderança é espelho para o povo, que segue suas orientações e seus comportamentos.

Um país onde o Presidente da República destila ódio a mulheres, negros, LGBTQ+ e outros, onde o uso da violência é institucionalizada, inclusive armando o povo, o reflexo disto tudo ocorre nas ruas e em espaços de convivência social.

O futebol é este espaço, que é propício para extravasar sentimentos. Não achamos que a maioria dos casos acontece por pessoas não organizadas. É preciso uma investigação séria e isenta que possa levantar se há movimentos articulados por trás destas intolerâncias.

O futebol não é o ópio, mas também não é praça de guerra.

João Geraldo Lopes Gonçalves é escritor e consultor político e cultural

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