Por Joice Pio
Estelionato sentimental, amoroso, afetivo, golpe do amor, essas são algumas nomenclaturas utilizadas para identificar um movimento e crime que encontra-se em ascensão na atualidade. O surgimento do termo ocorreu em Brasília, no ano de 2015, por meio de um processo que condenou ao réu o pagamento de cento e um mil e quinhentos reais a sua ex-namorada como ressarcimento a diversas contas que a mesma teria pago durante o relacionamento de dois anos.
O respectivo processo trouxe para a esfera jurídica muitos questionamentos, principalmente em relação ao princípio da boa-fé objetiva. Na sentença, o magistrado sustentou:
“Embora a aceitação de ajuda financeira no curso do relacionamento amoroso não possa ser considerada como conduta ilícita, certo é que o abuso desse direito, mediante o desrespeito dos deveres que decorrem da boa-fé objetiva (dentre os quais a lealdade, decorrente da criação por parte do réu da legítima expectativa de que compensaria a autora dos valores por ela despendidos, quando da sua estabilização financeira), traduz-se em ilicitude, emergindo daí o dever de indenizar”.(Processo n. 0012574-32.2013.8.07.0001)
Ainda sobre o julgamento, ao ser direcionado para via recursal, foi sustentando pelo julgador que “o mínimo que se espera nas relações intersubjetivas é que as pessoas envolvidas atuem com boa-fé, sinceridade nas palavras, lealdade e transparência”.
De forma sucinta, foi comprovado que após anos de relacionamento, ocorreu auxílio financeiro de forma demasiada e que houve por parte do réu a intenção de aproveitar de tal situação. Neste sentido, importante destacar que o princípio da boa-fé objetiva, conforme predispõe o art. 187 do Código Civil, direciona-se ao não abuso do direito e recai sobre a conduta correta, fiel e digna da pessoa, tal princípio foi utilizado como base para ensejar o crime de estelionato sentimental e garantir a pessoa lesada o ressarcimentos dos danos sofridos.
É sabido que as dinâmicas dos relacionamentos amorosos, em comparação aos relacionamentos do final do século XIX, tem assumido diferentes configurações. A contemporaneidade trouxe o estelionato sentimental, porém, ele não se encontra especificado no Código Penal Brasileiro, sendo abrangido pelo artigo 171 do CP, que diz:
“Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis”.
Diferentemente do artigo 171, o estelionato sentimental caracteriza-se pela sedução enganosa, aproveitamento do sentimento de amor do outro e falsas crenças para obter vantagem econômicas/financeiras. Essa modalidade de estelionato pode ser caracterizada pelos relacionamentos presenciais, semipresenciais e até mesmo online.
É perceptível pelas últimas decisões judiciais e aumentos de casos, uma predisposição, de forma que pessoas estão utilizando de sedução enganosa, dos falsos sentimentos e promessas de relacionamento para obter vantagem econômica/financeira. Atualmente, temos em andamento no câmara dos deputados, um projeto de lei que cria o crime de estelionato sentimental e estabelece punições para quem utiliza as redes sociais para aplicar golpes, conhecido popularmente como golpe do amor.
O crime em questão, quando de fato comprovado, pode ser reconhecido tanto na esfera penal, quanto cível, podendo ensejar indenizações pelos danos materiais e morais sofridos, assim como condenação penal pelo ato ilícito praticado.
Apesar de ser vista como uma “modalidade” nova na esfera jurídica, essa pratica acontece há muito tempo, o que não ocorria era de fato a judicialização por inúmeros fatores, dentre elas, a exposição da vítima. Acontece, que os relacionamentos amorosos vem sofrendo mutações e é preciso ficar sempre atenta (o) a qualquer indicio de crime.
Para aqueles que tenham a percepção de tal crime tanto pessoalmente como para alguém próximo, é importante buscar sempre o auxílio profissional, registrar boletim de ocorrência, reunir provas sobre todo o ocorrido, se atentar ao compartilhamento de dados pessoais e se caso sinta a necessidade, buscar orientação psicológica.
Joice Pio é advogada e membro da comissão de Direitos Humanos OAB/Limeira (SP)
Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar
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