Dos tribunais do Líbano para o mundo

Por Farid Zaine
@farid.cultura

Quando vi o filme libanês “O Insulto” no seu lançamento, publiquei meu comentário sobre ele: “A sonoridade da língua libanesa me é muito familiar: meus avós paternos nasceram em Beirute, e eu passei a infância ouvindo as conversas deles, sem nada compreender, mas achando bonito aquele jeito de falar.

Isso me veio à memória ao ver “O Insulto”, que foi a primeira indicação do Líbano a Melhor Filme Estrangeiro a chegar aos cinco finalistas. “O Insulto” mostra o que pode ser a semente de uma guerra: a partir de uma discussão aparentemente tola entre um palestino e um cristão libanês, vemos a história de ambos seguir para os tribunais, e um processo de descobertas de ódios e ressentimentos vindo à tona como que para mostrar uma guerra que nunca terá fim.

De que estamos falando? De um ódio milenar entre povos? De uma nociva e eternamente presente manifestação de racismo? Quando “O Insulto” chega ao fim, sabemos que uma guerra pessoal entre dois homens pode até ser pacificada, mas o conflito entre seus povos nem estará perto de ser resolvido.

Veio à minha lembrança o excelente filme libanês, também pelo fato de palavras como Israel, Palestina, Hamas e Faixa de Gaza ocuparem nos últimos dias um significativo espaço na imprensa mundial, hoje já com um anunciado cessar-fogo. “O Insulto” não tem ligação direta com essa guerra que se repete indefinidamente, mas ele nos leva a refletir sobre ela e sobre complexas questões dessa natureza. “O Insulto” perdeu o Oscar para o chileno “Uma Mulher Fantástica”, na edição de 2018.

E por falar em Líbano e em tribunais, outro filme libanês espetacular merece ser destacado agora. Trata-se de “Cafarnaum”, da diretora Nadine Labaki, que também conduziu o país à sua segunda indicação finalista no Oscar , em 2019, na categoria de Melhor Filme Internacional, então chamada “Melhor Filme Estrangeiro”. Teria vencido, não fosse o ano da obra-prima de Alfonso Cuarón, “Roma”, que levou a estatueta para o México.

Volto ao comentário que também fiz no lançamento de “Cafarnaum” : “Logo de cara veremos que a história gira em torno de crianças vivendo num mundo adverso que lhes rouba o direito à infância. A primeira sequência mostra o menino Zain, de aproximadamente 12 anos (os pais não sabem falar a idade exata dele, pois não registram os filhos) num tribunal, onde responde pelo crime de tentativa de homicídio e para onde é chamado depois de processar os próprios pais.

Qual a razão do processo? Zain simplesmente quer processá-los pelo fato de ter sido colocado no mundo. Ele não quer que os pais tenham mais filhos (a mãe está grávida, apesar dos muitos filhos que já teve). A partir dessa contundente e inusitada premissa, o filme progride em flashbacks que explicam a trajetória de Zain até esse momento.

“O Insulto” e “Cafarnaum” propiciam excelente oportunidade de conhecer o cinema libanês e, assim, dar atenção a filmes que nos aproximam de realidades de outros países, de outras línguas, de outras culturas. A facilidade existente hoje do acesso a produções importantes disponibilizadas no streaming é um fato a ser comemorado.

A Turquia, por exemplo, tem conseguido êxito extraordinário com produções de apelo emocional, como foi o caso de “Milagre na Cela 7”, grande sucesso na Netflix e que ganhou recentemente uma exibição no Cinema Especial da Globo, com expressiva audiência.

Tenhamos os olhos mais abertos aos belos filmes feitos mundo afora. Um bom começo será ver “O Insulto” e “Cafarnaum”, vindos de um país culturalmente rico, mas que também tem em sua história as marcas trágicas de longas guerras. O cais de Beirute, no ano passado, foi o palco de uma gigantesca explosão que foi notícia no mundo todo.

O INSULTO – *****ÓTIMO (disponível para compra – iTunes – 9,90)


CAFARNAUM – *****ÓTIMO (disponível no Amazon Prime)

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