Por Ronei Costa Martins Silva
Dia 10 de Dezembro lembramos os 72 anos da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Um marco civilizatório que, muito embora não tenha força de lei, inspirou a consolidação de um conjunto de normas por todo mundo. No Brasil, por exemplo, vemos sua clara influência em nossa Constituição Federal.
A declaração universal, um documento de apenas 30 potentes artigos, é rica na defesa de imperativos elementares como o direito à vida, à igualdade, à segurança, a educação, entre outros. Entretanto e a despeito dela ter inspirado conjuntos normativos por todo mundo, sabemos que para que um direito social tenha efeitos práticos não basta que ele esteja transcrito num papel oficial. É preciso que haja a consolidação de uma cultura do direito, capaz de criar um amalgama, cristalizando no seio da sociedade o conjunto dos ideais contidos no papel. E isto, sabemos, é um processo lento, paulatino e evolutivo. As lutas sociais, políticas e culturais são catalisadoras, acelerando o processo. Os dedos que agora deslizam e pressionam as teclas de um gasto teclado o fazem motivados desejo de minimamente contribuir antecipando estas mudanças desejadas.
Muito embora significativa maioria dos direitos ainda não tenham saltado do papel é preciso reconhecer a importância da Declaração como um divisor de águas para a história da humanidade, sem, no entanto, considerá-la um texto acabado, hermético e completo, Afinal, 72 anos se passaram e nestas décadas nos também evoluímos, senão na efetivação prática dos direitos, ao menos na percepção intelectual dos mesmos, sim, evoluímos.
A despeito de o texto ainda hoje ser considerado bastante ousado e progressivo até para os dias atuais, novos conceitos humanizantes, que á época não eram cogitados, surgiram e precisam ser considerados.
Atentemos para um deles: o direito das populações futuras.
Costumeiramente, quando evocamos o sagrada direito humano, esculpido logo no artigo primeiro da Declaração, restringimos esta garantia ás pessoas de nosso tempo, nossos contemporâneos. Esta percepção precisa ser urgentemente revista. Devemos ampliar a cobertura esculpida na Declaração para além de nossa temporalidade. Direitos humanos para aqueles que ainda hão de nascer, para aqueles que chegarão por aqui lá pelo ano 2150.
É obvio que esta abstração não é fácil, pois somos quase incapazes de pensar a sociedade para além de nossa efêmera existência. É preciso grande esforço e tamanho desprendimento, além de uma visão holística e espiritualizada, que nos permita vislumbrar a sociedade que virá após nós e nossos contemporâneos morrermos. Se formos capazes de dar este passo, poderemos arriscar o próximo, respondendo a três simples indagações: o que estamos fazendo hoje garantirá vida digna para as populações futuras? Se este nosso jeito de estar no mundo continuar tal e qual, aquele garotinho que nascerá em 2150 encontrará alimento e água suficiente para viver dignamente? Se este modo de produção e consumo continuar avançando sobre reservas naturais não renováveis, aqueles que virão depois de nós encontrarão condições dignas para sobreviver? As respostas parecem óbvias.
Na encíclica Laudato Si (sobre o cuidado da casa comum), publicada em 2015, papa Francisco propõe um capítulo sobre a justiça intergeracional (entre gerações). Nela ele afirma que “a noção de bem comum engloba também as gerações futuras.” Diz ainda que “não se pode falar de desenvolvimento sustentável sem uma solidariedade intergeracional”.
De posse destas reflexões, agora poderemos responder a pergunta que batiza este artigo: direitos humanos para humanos contemporâneos e pós-contemporâneos.
Então, caros, a bem dos nossos e dos que virão, ousemos propor uma emenda aditiva ao texto da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Chamemos a notável Assembleia Geral das Nações Unidas para votar e incluir um artigo no documento que considere as gerações futuras como dignas sujeitos de direitos humanos.
Ronei Costa Martins Silva é arquiteto e urbanista e pós graduado em arquitetura e arte sacra. Possui diversas obras de arquitetura sacra espalhadas por São Paulo e outros três estados. Em 2018 foi convidado para presentear o Papa Francisco com uma obra sua, a Cruz da Esperança. Possui onze obras de arquitetura selecionadas para Mostras Nacionais, sendo duas em 2017 e nove em 2019. Também é pesquisador da máscara do palhaço há 21 anos, tendo atuado em hospitais, presídios e outros espaços de vulnerabilidade social. É pai do Benício.
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