Por Edmar Silva
Homofobia pode ser considerada a atitude de aversão, rejeição, ou medo irracional de pessoas homossexuais e afins. O prefixo homo se refere à palavra homossexual, enquanto fobia se trata de expressão com origem grega que significa medo, aversão, rejeição. Forma-se, assim, a palavra homofobia. No atual ordenamento jurídico do país não existe lei específica criminalizando qualquer conduta de menosprezo ou odiosidade aos homossexuais e afins em razão dessa condição peculiar. No entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao arrepio da lei e da Constituição, entende se tratar, sim, de conduta criminosa.
É histórica a condição de discriminação, intolerância e outras violências similares, física ou moral, contra os homossexuais. Antigamente, inclusive, tal rejeição tinha nascedouro dentro das igrejas, o que fortaleceu essa repulsa vista na sociedade atual em relação a esse grupo de pessoas.
Não é preciso muito esforço para encontrar dados alarmantes na Internet dando conta de que o Brasil é um dos campeões em assassinatos de homossexuais e afins, em razão unicamente dessa peculiar condição. Não raras vezes, os noticiários evidenciam mortes ou agressões bárbaras contra essas pessoas, que ocorrem simplesmente em razão da opção sexual.
Nesse contexto, fica evidente que, além é claro de ser uma questão de educação, há necessidade de uma legislação penal própria e eficaz para combater esse tipo de preconceito e agressão gratuita, assim como já acontece com outros grupos de pessoas consideradas vulneráveis, como, por exemplo, mulheres (Lei Maria da Penha), idosos (Estatuto do Idoso) e deficientes (Estatuto da Pessoa com Deficiência).
Mas não se pode admitir com tranquilidade e sem indignação que, na ausência de lei criminalizando a conduta de preconceito, discriminação ou qualquer forma de violência contra os homossexuais, o STF faça as vezes do legislador e crie o tipo penal. Porém, foi o que aconteceu.
No julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade e de um Mandado de Injunção em meados do ano de 2019, a Suprema Corte reconheceu a omissão do Poder Legislativo (Congresso Nacional) para tornar criminosas condutas atentatórias contra os direitos dos homossexuais e afins. Ademais, no julgamento se permitiu a aplicação da Lei nº 7.716/1989, conhecida como Lei do Racismo, aos casos de ofensas aos direitos fundamentais da população homossexual até que o Congresso Nacional edite lei específica e criminalize a conduta. Vale ressaltar que a Lei do Racismo apenas define crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, nada prevendo sobre crimes contra homossexuais.
Em resumo, o STF afirmou que, embora não exista lei, os comportamentos que atentam contra os direitos fundamentais de homossexuais e afins devem ser considerados criminosos, aplicando-se, no que for cabível, a Lei do Racismo para enquadramento da conduta e aplicação de pena.
No entanto, é princípio básico do direito penal pátrio que somente a LEI pode criar conduta criminosa e prever pena. Nesse sentido, tanto o art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal quanto o art. 1º do Código Penal especificam que não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. E se trata aqui da lei em sentido estrito, ou seja, aquela derivada unicamente do Poder Legislativo (Congresso Nacional). Esse é o espírito do denominado princípio da legalidade, um grande norteador do direito penal.
A preocupação da Constituição Federal com a necessidade de que uma lei criadora de conduta criminosa seja discutida, elaborada e editada no âmbito do Congresso Nacional (e não no Poder Judiciário ou no Poder Executivo) é tão grande que ela veda, por exemplo, que o Presidente da República edite medida provisória (que tem força imediata de lei) em matéria penal (art. 62, inciso I, alínea b, da Constituição federal).
Assim, em que pese não existir lei criminalizando a conduta homofóbica, o STF, pelo voto da maioria dos seus Ministros, contrariando princípios básicos do direito e expressas disposições constitucional e legal (art. 5º, XXXIX, Constituição Federal, e art. 1º Código Penal), decidiu que tal comportamento é criminoso e, até que o Congresso Nacional edite lei específica sobre o tema, deve ser aplicada a Lei do Racismo como parâmetro para definição da conduta e aplicação da pena.
Tecnicamente, não parece ser a solução mais correta, pois, como dito, a criação de uma conduta criminosa deve vir do Poder Legislativo (Congresso Nacional) e não do STF e tampouco do Presidente da República. Contudo, vai ficar aqui valendo aquela velha máxima: manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Edmar Silva é analista jurídico do Ministério Público.
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