Em despacho assinado na sexta-feira (30/06), o juiz da 2ª Vara Criminal de Limeira, Guilherme Lopes Alves Lamas, determinou a devolução ao Ministério Público (MP) dos autos da ação penal sobre a prática de racismo dentro do supermercado Assaí, em agosto de 2021. Com vários questionamentos, ele abriu a possibilidade para eventual aditamento à denúncia que pode atingir superiores hierárquicos dos envolvidos. No entanto, o MP discordou do entendimento e pediu que o caso seja sentenciado.

A fase de instrução, onde se colhem as provas, foi encerrada. Dois homens – um ex-funcionário e um segurança terceirizado – foram denunciados por discriminação e preconceito de raça na abordagem de um homem negro, que foi questionado se ele tinha escondido produtos sob as roupas. O processo foi desmembrado em relação ao segurança, que não foi localizado, e prosseguiu contra o ex-empregado.

Segundo a acusação, sem qualquer acompanhamento prévio que indicasse eventual suspeita, o cliente foi seguido, abordado e indevidamente revistado. Abalado, o homem entrou em desespero, tirando todas as vestes e ficando apenas de roupa íntima, em situação vexatória e humilhante presenciada por outros clientes. O caso teve repercussão nacional. Para o MP, os funcionários apresentaram conduta que vai contra as orientações recebidas em cursos de formação.

O crime em questão está previsto no artigo 20, caput, da Lei 7.716/1989. Na última semana, a promotora Florenci Cassab Milani apresentou alegações finais e reiterou o pedido de condenação do funcionário.

O juiz, contudo, apontou que o réu apenas abordou a vítima por ordem de outro funcionário, não tendo o MP feito referência a esta pessoa. “Se a própria Acusação fala em ‘racismo estrutural’ e considerando que estão em trâmite duas ações civis públicas questionando justamente a conduta da empregadora, parece-me haver necessidade de aprofundamento nas investigações, até para eventual inclusão de superiores hierárquicos na denúncia”, escreveu no despacho.

O juiz detalhou o raciocínio:

“O que se questiona é se, diante da dinâmica dos fatos, especialmente porque todas as testemunhas procuraram dizer que o ‘procedimento’ da empresa não foi seguido pelo acusado, que acabou, inclusive, ‘desligado’ do emprego, é justo, ao fim e ao cabo, que apenas o réu, que afirma ser ele também ‘uma pessoa preta, com todos os familiares pretos’, seja atingido com o ônus de uma condenação criminal por racismo, ao passo que o corréu, não localizado [e em relação a quem o feito foi desmembrado] e a própria pessoa jurídica titular do estabelecimento comercial onde se deram os fatos acabem passando incólumes aos graves fatos imputados”. Para o magistrado, a constatação, até o momento, é de que o ex-funcionário foi o único punido gravemente pela conduta – está próximo de ser sentenciado, além de ter perdido o emprego.

Lamas prosseguiu com outro questionamento:

“Atribuir apenas ao réu o racismo, isentando os superiores hierárquicos e partindo do pressuposto de que agiram contra as orientações da empregadora, não retroalimentaria o próprio racismo estrutural do sistema criminal, condenando, sozinho, por fato de repercussão nacional, apenas alguém se identifica como ‘uma pessoa preta, com todos os familiares pretos’?”.

MP discorda

A promotora enviou sua manifestação ao juiz na tarde desta terça-feira (04/07) e entendeu que não é caso de alterar a denúncia. Para ela, novas provas não foram produzidas em juízo, já que o testemunho indicado pelo magistrado se deu no inquérito policial, já presente na ocasião da denúncia e recebimento da ação.

A conduta da empresa já é questionada em ações cíveis, diante da responsabilidade objetiva, e isso não é matéria do processo criminal. “Com efeito, pela inexistência de previsão legal, não há como apontar prática de ilícito penal à pessoa jurídica, limitando-se à esfera cível, com ações em andamento”, anotou.

Para Florenci, o conjunto de provas não apresenta irregularidades na conduta de outros funcionários da empresa. “Não há fundamentos fáticos e jurídicos para acrescentar outros envolvidos na ação, inclusive pelo fato de inexistir no caderno investigatório qualquer elemento que indique a prática de crime por outros funcionários, além dos já denunciados. Não cabe à acusação elastecer as provas para abranger pessoas sob as quais não pesam indícios suficientes da prática de crime, muito menos, com a devida vênia, ao nobre juízo”, diz o parecer.

Por fim, a promotora reiterou o pedido de condenação feito nas alegações finais. A defesa do ex-empregado ainda deve apresentar as alegações finais no processo. Em caso de condenação, a pena deve ficar no mínimo legal – 1 ano de reclusão em regime aberto – e ser convertida em penas restritivas de direitos.

Foto: Diário de Justiça

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