Considerações sobre a Lei do Superendividamento

Por Mariana Feijon

Não é nenhuma novidade que o Brasil vem percorrendo um árduo caminho para manter a economia girando diante de tantos escândalos de corrupção, que prejudicam nossa imagem, e consequentemente, refletem em toda a população. Após um ano atípico, no qual fomos expostos às situações que jamais imaginaríamos viver, experimentamos as mais diversas emoções e situações que levaram uma grande maioria de brasileiros ao limite, não só no campo emocional, mas também no financeiro.

Em decorrência da pandemia da Covid-19, muitos brasileiros que já não possuíam uma boa condição econômica, sofreram com demissões, redução de salário, fechamento dos próprios negócios, aumentando, significativamente o número de pessoas inadimplentes no mercado.

O número de famílias endividadas no Brasil chegou a 69,7% em junho de 2021, segundo a pesquisa mensal da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), abarcando em média 60 milhões de brasileiros, sendo este o maior porcentual desde 2010. Importante ressaltar que o superendividamento pode ser definido como uma situação em que a pessoa tem um conjunto de dívidas muito significativas, sendo que, mesmo com seu patrimônio e renda mensal, estes não são suficientes para quitá-las.

Com o intuito de proteger essa parcela da população, no dia 2 de julho de 2021 foi sancionada a Lei nº 14.181, que ficou popularmente conhecida como Lei do Superendividamento.

Referida lei foi incorporada ao Código do Consumidor e tem como objetivo principal a “prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor, bem como a instituição de mecanismos de prevenção, conciliação, tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa natural e a preservação de um mínimo existencial”.

Dessa forma, a lei cria a possibilidade de o consumidor endividado conseguir, através de um intermédio legal com o conjunto de credores, a criação de um plano de pagamento, após informar ao Juízo suas dívidas e condições de sobrevivência, especificando valores e para quem deve, de forma que mencionado plano, não impacte a sua renda e permita a quitação dos débitos.

O consumidor endividado poderá apresentar a todos os seus credores, de uma só vez, uma proposta para pagamento das dívidas pelo prazo de até 05 (cinco) anos, se assemelhando a um pedido de recuperação judicial.

Após a propositura desta ação judicial de repactuação de dívidas, será designada pelo juízo uma audiência, podendo ser presidida por um conciliador, na qual os credores serão ouvidos e se manifestarão a favor ou contra o plano de pagamento apresentado. Havendo consenso, o plano será homologado, momento em que serão suspensas todas as restrições constantes do cadastro do consumidor (SPC e Serasa), bem como, as ações judiciais em curso. Após a homologação, o consumidor deverá, em até 180 dias, iniciar os pagamentos.

Ademais, vale ressaltar que, em razão da repactuação das dívidas, todas as obrigações do consumidor vencidas até o momento de propositura da ação judicial deixarão de ser exigíveis, ou seja, eventuais penhoras realizadas em outros processos judiciais serão automaticamente extintas, liberando-se o patrimônio penhorado.

Outro ponto que merece destaque se refere à questão da insolvência civil. De acordo com a redação dada ao artigo 104-A, §5º do Código de Defesa do Consumidor, o pedido não importará em declaração de insolvência civil, mas poderá ser repetido somente após decorrido o prazo de 2 anos, contados da liquidação das obrigações previstas no plano de pagamento homologado, sem prejuízo de eventual repactuação.

Atualmente, alguns tribunais de Justiça (Bahia, Distrito Federal, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo) já oferecem o serviço a esse público específico. Entretanto, é fundamental que este consumidor entenda que a nova lei não é uma alternativa de renegociação de dívidas.

Outro ponto que merece destaque se refere às medidas protecionistas impostas pela nova Lei, as quais visam a necessidade, por parte das instituições financeiras e demais concessionárias de crédito, de informar ao consumidor a respeito da análise e concessão deste, além das consequências do superendividamento, em caso de inadimplência.

Conforme mencionado, analisando a sociedade brasileira de consumo, é possível identificar consumidores com vulnerabilidades específicas, tais como idosos, jovens, enfermos, trabalhadores autônomos, entre outros, as quais, na grande maioria das vezes, não tem acesso à educação financeira, e acabam por se endividar por ter ao seu “livre alcance” a concessão de crédito.

Em que pese o “dever” do consumidor em conhecer os riscos da concessão de crédito, ainda que ele esteja bem preparado, este sempre será vulnerável, perante uma grande instituição financeira.

Dessa forma, com a sanção da Lei nº 14.181/2021, a educação financeira é responsabilidade primordial para as concedentes de crédito, ou seja, as instituições precisam prestar informações a respeito da análise desse crédito. E, a partir disso, o cenário muda: por via de consequência, temos a capacidade do consumidor em aprender se ele possui a real necessidade desse crédito e se há como pagá-lo.

Importante destacar também que, nos termos do Art. 54-A, §2º, a repactuação prevista na Lei se refere às dívidas relacionadas a quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.

Excluem-se do processo de repactuação as dívidas que, mesmo decorrentes de relações de consumo, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural. (Art. 104-A, §1º CDC). Em suma, financiamento de automóveis e imóveis não estão incluídos na possibilidade de repactuação.

Por fim, espera-se que as novas disposições legais desestimulem a cultura do endividamento e promovam uma melhoria na educação financeira da população, obstando comportamentos temerários e irresponsáveis, além de preservar o mínimo existencial e evitar a exclusão social do consumidor.

Mariana Feijon é advogada formada pela Universidade Metodista de Piracicaba no ano de 2014 e pós-graduanda em Direito Processual Civil e Direito Extrajudicial pela Faculdade Legale. Atuante na área cível desde 2012, nos últimos 05 anos passou a se dedicar ao atendimento de diversas empresas dos mais variados ramos. Atualmente, integra o corpo cível do escritório Claudio Zalaf Advogados Associados na unidade de Limeira.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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