Apelido xenofóbico no trabalho: aparência de brincadeira, mas conduta discriminatória

Em julgamento ocorrido no dia 12 deste mês, o desembargador Luiz Felipe Paim da Luz Bruno Lobo, do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), reformou parcialmente sentença da 1ª Vara do Trabalho de Bauru e reconheceu danos morais a um trabalhador nordestino que tinha apelido xenofóbico. Além disso, o magistrado acionou a corregedoria para apurar a conduta do juiz de primeira instância.

O autor da ação trabalhava como frentista e, após ser dispensado, foi à Justiça e alegou que, durante os cerca de cinco anos que permaneceu na empresa, sempre sofreu ofensas, entre elas, com apelido de “cabeção”, por ser nordestino. Uma das testemunhas mencionou, ainda, que presenciou a supervisora mencionando que “o povo do nordeste é vagabundo”.

Em primeira instância, as testemunhas citaram que todos os trabalhadores tinham apelidos que foram dados pelos próprios empregados, bem como que as palavras de baixo calão eram dirigidas entre os empregados do mesmo nível hierárquico, por motivo de stress do trabalho ou por brincadeira. A testemunha patronal afirmou que nem o palavreado e nem o apelido tinham a intenção de agredir ou ofender o autor da ação ou os demais empregados do setor.

O juiz sentenciante negou a indenização por danos morais em consequência do assédio moral alegado pelo trabalhador. Insatisfeito, ele recorreu ao TRT-15, onde conseguiu reformar esse trecho da sentença.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) sugeriu o acolhimento do recurso e, ao analisar o caso, o relator entendeu que o relato das testemunhas, sobre os apelidos, “não encontra guarida no direito, especialmente porque os apelidos, regra geral, consistem na atribuição de ‘status’ pejorativo e de demérito ao indivíduo em razão de alguma característica sua, seja a aparência, seja a cor, seja a procedência, ou outro fator”, mencionou em seu voto.

O desembargador citou ainda que os nordestinos são, frequentemente, reputados de condição física, intelectual e material inferior. “Isso sem nenhuma razão. Ao contrário, apenas com o intuito infeliz de desprestigiar a pessoa originária da citada região. Sob a aparência de mera brincadeira, há, de fato, uma conduta discriminatória. Cabe ao empregador, no ambiente de trabalho, promover um relacionamento harmonioso e que estimule a tolerância às diversidades e não o contrário, ou ao menos, manter-se omisso diante desse contexto. Nesse panorama, a conduta omissiva da reclamada revela-se ilícita em face do arcabouço principiológico do direito e faz exsurgir a ocorrência de ofensa ao direito da personalidade do reclamante”, completou o relator ao definir indenização de R$ 20 mil ao trabalhador por assédio moral. A empresa ainda pode recorrer.

CORREGEDORIA
Além de reformar parcialmente a sentença, o desembargador acionou a corregedoria para apurar a conduta do juiz sentenciante. Ele acolheu manifestação do MPT neste sentido, que indicou que a sentença foi incoerente e que o magistrado teria se utilizado de juízo de valor. O apontamento da Promotoria foi o seguinte:

”Além da incoerência da r. sentença, chama a atenção a postura do Magistrado ao tecer juízos de valor, reveladores de crenças pessoais e antecipatórios de conclusão de julgamento, durante a condução da audiência de instrução. […] Ora, mesmo após ouvir que o reclamante era chamado de ‘cabeção’ – termo notoriamente empregado como insulto a nordestinos – o magistrado o interrompe no depoimento e defende a ideia de que apelido é diferente de ofensa. Com isso, antecipa seu julgamento no sentido de não considerar como ofensas os reprováveis apelidos xenofóbicos emitidos pela supervisora da reclamada”

O relator determinou que a cópia dos autos fosse remetida à corregedoria, “para que tome as providências que e se entender cabíveis no âmbito das boas práticas”, concluiu.

Foto: Freepik

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