TJ declara inconstitucional trecho de regra que previa leitura da Bíblia antes de sessões legislativas

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) declarou a inconstitucionalidade de normas que previam a leitura de versículo da Bíblia e a “invocação à proteção de Deus” antes de trabalhos da Câmara Municipal de Itapecerica da Serra.

A decisão, proferida outubro, julgou procedente Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pela Procuradoria-Geral de Justiça do Estado (PGJ), após provocação do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial (Nuddir) da Defensoria – que tomou conhecimento do caso a partir de contato feito por uma liderança de comunidade tradicional de matriz africana na cidade.

Atuando também como amicus curiae (amigo da corte) no processo, a Defensoria Pública pediu o reconhecimento da inconstitucionalidade dos dispositivos, que constam do artigo 140 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Itapecerica da Serra – Resolução nº 105/2010.

País laico

Por meio do Nuddir, a Defensoria argumentou que o Brasil é um Estado laico, devendo assumir uma posição neutra no campo religioso. No entanto, as normas em questão significam a adoção de religião de origem cristã como se fosse oficial, violando dispositivos constitucionais (art. 19, incisos I e III) que vedam aos entes federativos estabelecer cultos religiosos ou criar preferências entre brasileiros.

“Ao tratar da laicidade, o ordenamento constitucional assume o compromisso de preservar e garantir a proteção a toda e qualquer religião, assegurando aos cidadãos a liberdade de consciência e de crença, sem, por outro lado, prestigiar, quando do trato com a coisa pública ou quando do exercício de poder político, uma religião em detrimento de outra”, afirmou na manifestação o Nuddir, representado pelo Defensor Paulo Giostri.

A Defensoria também apontou que os dispositivos questionados violam o princípio da impessoalidade da administração pública, já que a leitura de passagens bíblicas e a invocação à proteção de Deus são manifestações de crenças individuais e não podem estar ligadas ao exercício da atividade pública.

No mesmo sentido, a PGJ argumentou que não compete ao Legislativo criar preferência por determinada religião, e que a norma questionada, por seu caráter discriminatório, não condiz com a igualdade, a finalidade e o interesse público.

Decisão

Em seu voto, o desembargador Relator, Ferreira Rodrigues, ressaltou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a garantia do Estado laico impede que dogmas da fé determinem o conteúdo de atos estatais (ADPF 54, ADI 5257 e ADI 3478).

Por unanimidade, os desembargadores do Órgão Especial acolheram o pedido e julgaram a ação procedente, declarando a inconstitucionalidade do “caput” e do § 2º do artigo 140 da Resolução nº 105/2010, de Itapecerica da Serra, em sua redação original e na conferida pela Resolução nº 131/2015, e também da expressão “antes da leitura de um versículo de um dos livros da Bíblia Sagrada”, constante do § 1º do mesmo dispositivo.

Foto: Freepik

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.