Sobras limpas

Por Edmar Silva           

São chamadas de sobras limpas as comidas e alimentos em geral já prontos para o consumo humano, mas ainda não distribuídos. São os alimentos preparados por estabelecimentos que trabalham com fornecimentos de comida, mas que ainda não foram consumidos e logo perderão a validade.

            Em meados do corrente mês, o Ministro Paulo Guedes ganhou os noticiários ao sugerir a doação de sobras de comida aos mais pobres. Foi duramente criticado e se justificou dizendo que se referiu às sobras limpas.

            Assim, veio à tona esse tema da doação de sobras de comidas aos mais necessitados e houve muita discussão em torno da fala do Ministro Paulo Guedes. O que poucas pessoas sabem, porém, é que o assunto já se encontra regulamentado por lei federal e a doação de comida nos moldes defendidos pelo Ministro é perfeitamente legal.

            Trata-se da Lei Federal nº 14.016, de 23 de junho de 2020, que dispõe sobre o combate ao desperdício de alimentos e a doação de excedentes de alimentos para o consumo humano.

            Até a edição da referida Lei, havia muita insegurança por parte de restaurantes, bares, hotéis e estabelecimentos similares para a doação de sobra de alimentos, pois eventual problema de saúde ocorrido com quem recebeu tal comida poderia fazer com que o estabelecimento pagasse indenização à pessoa lesada, além de haver problemas na seara criminal.          

            Por isso, foi editada essa nova lei e agora os estabelecimentos estão expressamente autorizados a fazer a doação dos alimentos que sobrarem, devendo ser observados os seguintes critérios (art. 1º): alimento deve estar dentro do prazo de validade; não pode haver comprometimento da integridade e segurança sanitária, ainda que haja dano na embalagem; deve estar preservada a propriedade nutricional, ainda que o alimentos apresente aspecto comercialmente indesejável.

            É importante ressaltar que, nos termos da lei, a doação deve ser gratuita e desinteressada, pode ser feita por qualquer estabelecimento que forneça alimentos preparados e prontos para o consumo, pode ser realizada de forma direta, em colaboração com o poder público ou por intermédio de alguma entidade (religiosa, beneficente) e os destinatários devem ser as pessoas em situação de vulnerabilidade ou de risco alimentar ou nutricional.

            Tudo isso sem que haja qualquer implicação legal de responsabilidade por parte do estabelecimento caso o recebedor da comida apresente algum tipo de problema de saúde, exceto se o fornecedor agir com dolo de causar o dano. Inclusive, diz a lei que o doador somente é responsável pela regularidade do alimento até o momento da doação, não tendo responsabilidade sobre eventos posteriores, como armazenamento ou transporte irregular do alimento.

            Como se vê, portanto, as frases do Ministro Paulo Guedes sobre esse tema não foram palavras ao vento, pois ele tratou de algo que já existe no mundo jurídico e sabia disso porque a lei ora analisada foi editada na gestão do atual governo federal, do qual ele faz parte.

Edmar Silva é analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo. Formado em Direito, aprovado pelo exame da OAB-SP e pós-graduando em Direito Público.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.