Sinais trocados

por Leandro Consentino

O processo eleitoral de 2018 foi marcado por uma força muito poderosa e nada construtiva, tanto na política como na sociedade: a força do ódio, responsável por eleger o então candidato, apresentado como antissistema, Jair Messias Bolsonaro.

Essa força brotou da profusão de escândalos denunciados no âmbito da Operação Lava Jato, aliados ao péssimo desempenho da política econômica nos anos de Dilma Rousseff, que sedimentaram o antipetismo na sociedade e atingiram, após os vazamentos sobre os irmãos Batista, todo o sistema político brasileiro.

Diante disso, restou ao eleitor o voto pautado na negativa de “tudo aquilo que estava aí” e o sentimento majoritário que surgiu foi aquele de que qualquer coisa seria melhor que os representantes dos principais partidos políticos de então, sobretudo o PT, o (P)MDB e o PSDB. Nesse sentido, ainda que se soubesse que Bolsonaro havia sido um militar indisciplinado, um deputado medíocre e um cidadão controverso, bastou que vociferasse seus impropérios para ser escolhido como um símbolo.

Justamente por esse péssimo histórico, não tardou para que Bolsonaro se mostrasse um presidente nada preparado para o cargo que ocupa, sobretudo quando a pandemia de covid-19 demandou estadistas e não políticos do “baixo clero” pouco afeitos ao trabalho e à liturgia de um cargo tão importante.

Dessa forma, com o desgaste evidente diante das 600 mil mortes, uma crise socioeconômica cada vez mais aguda, escândalos de corrupção (inclusive na compra de vacinas) e até mesmo uma tentativa frustrada de golpe, começamos a assistir um processo semelhante ao de 2018, com os devidos sinais trocados.

Atualmente, as últimas pesquisas demonstram que Bolsonaro teria apenas um quarto dos eleitores apoiando sua reeleição, sendo que a maioria decidiu endossar a volta do ex-presidente Lula ao Planalto. Dessa maneira, patrocinam a narrativa de que qualquer coisa seria melhor que Bolsonaro no poder e estabelecem uma narrativa revanchista e que em nada reflete sobre os reais problemas do país.

Fica nítido que assim como a queda de Lula foi a principal impulsionadora de Bolsonaro nas eleições gerais anteriores, a ruína de Bolsonaro pode ser justamente a mola propulsora de Lula em 2022. Ambos se retroalimentam e, por isso, precisam um do outro no segundo turno do próximo pleito.

Por essa razão, as lições de 2018 já deveriam ter sido assimiladas para que não as repitamos em 2022 e evitemos o prolongamento dessa danosa polarização. Virar as páginas para trás não muda o enredo e tende a reabrir velhas feridas. Está na hora de avançar e mirar o futuro, sem ficar preso a um presente terrível e nem voltar a um passado que já passou. 

Leandro Consentino é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Ciência Política pela mesma instituição. Atualmente, é professor de graduação no Insper e de pós-graduação na FESP-SP.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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