Dom Paulo: a síntese da esperança

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

“Ser cristão é trabalhar para que haja justiça e solidariedade em todos lugares” (Dom Paulo Evaristo Arns)

Em 2005, este escriba era chefe de gabinete do mandato do vereador José Carlos Pinto de Oliveira em Limeira. O vereador exercia a função de presidente da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos Humanos naquela Casa de Leis, um dos principais focos do mandato. Na época recebemos um convite para participarmos de um seminário organizado pela PUC Campinas, intitulado Direitos Humanos e Segurança Pública.

No programa, grandes especialistas no assunto, durante três dias, teceram temas relacionados, inclusive já apontando o caráter de violência promovida pelo crime organizado naqueles anos. As milícias já eram uma realidade em quase todo o País. Como o desrespeito sistemático aos direitos da pessoa humana também era uma realidade. Eram os pobres, negros e de segmentos como LGBTQ+, Mulheres, crianças e Idosos, alvos preferidos da violência organizada.

A esperança de dias melhores se esvaía a cada chacina, a cada estupro, a cada criança jogada a realidade da fome e por aí vai. O seminário, ao mesmo tempo que nos deixava tristes com o cenário, também nos dava alguma perspectiva de mudança, quando o assunto era cultura da paz. E não podia ser diferente o encerramento do evento. Fecharia o seminário uma cerimonia da universidade ao Cardeal da Esperança.

Marcada para o começo da noite, acho que era uma quinta-feira, esperávamos do lado de fora do anfiteatro da PUC, o homenageado chegava. Eu fumava muito naquele tempo. Estava exatamente no local do fumódromo com um cigarrinho nas mãos, quando se aproxima de nós uma figura, já andando com dificuldades, mas distribuindo sorrisos e boa tarde a todos que estavam naquele local.

O homem vestido elegantemente com terno preto e um crucifixo no peito, ao nos cumprimentar, deu um pito federal neste escriba: “Fumar faz muito mal à saúde e mata”. Era Dom Paulo Evaristo Arns, o cardeal de São Paulo, o qual vi pela primeira vez na televisão em 1980 quando, ao lado do Papa João Paulo II, falava com os operários em um Morumbi lotado.

De lá pra cá, me tornei um fã deste senhor que sabia de cor como levar a esperança e a paz para o povo, em especial os mais pobres. Pessoalmente nunca tinha me encontrado com ele. Houve oportunidades, mas não consegui estar presente. Acompanhava suas ações e lutas pela imprensa e informações de militantes de movimentos e pastorais.

Recentemente, li o livro O Cardeal e o Repórter, de autoria do Jornalista Ricardo de Carvalho, diretor do documentário “Coragem”, cujo link está disponibilizado no final deste texto. No livro e no documentário, pude comprovar o quanto Dom Paulo, o franciscano que gostava de cantar a Oração do Santo em cada missa, reunião ou encontro, faz falta neste País ameaçado pelo obscurantismo e golpes.

Muita gente, quando falo de Dom Paulo Evaristo, nos pergunta ou afirma: mas ele era comunista, petista, de esquerda? Dom Paulo era cristão e, como tal, acreditava que sua missão terrena era lutar para que o povo oprimido e sofrido pudesse ter vez e voz, fosse incluído na sociedade e que deixasse de passar fome, de viver na miséria.

Nestes tempos bicudos, fundamentalistas tentam desvirtuar o sentido do Cristianismo. Ser cristão virou sinônimo de juiz do livre arbítrio, tribunal de uma falsa moralidade, de um individualismo que reduz a poucos o acesso a Deus. Ser cristão nestes tempos penaliza os mais fracos. Penaliza o diferente, o que não tem acesso ao vil metal. Coloca como parte de um “banquete” aquele que nega a vida as pessoas.

Dom Paulo foi o avesso disto. Dentro de sua instituição, questionou a opulência de bispos e padres. Assim que assumiu a Arquidiocese de São Paulo, a primeira ação que fez foi vender o Palácio Episcopal e com o dinheiro comprar terrenos para construção em mutirão de casas populares para os sem-teto.

Dom Paulo Evaristo denunciou o terror da Ditadura, não descansou enquanto os generais não saíssem do poder. Acolheu perseguidos, curou feridas de torturados, confortou famílias dos mortos e denunciou os assassinatos destes. Foi responsável pela disseminação das Pastorais Populares, em especial a Comissão Justiça e Paz, Pastoral do Povo da Rua, Comunidades Eclesiais de Base e muito mais.

No mês em que um outro herói nacional Paulo Freire fez seu Centenário, Dom Paulo, amigo do educador, também faria 100 anos no dia 14 de setembro. O Cardeal da Esperança nos deixa um legado espetacular de solidariedade e fraternidade cristã e humana.

O filme “Coragem – As muitas vidas de Dom Paulo Evaristo Arns” pode ser assistido neste link.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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