Projetos de Lei sobre Comércio Eletrônico no CDC

por Aloisio Szczecinski Filho

A Nova Agenda Urbana tem como escopo apresentar uma visão compartilhada para um futuro melhor e mais sustentável e, na linha deste entendimento, fomenta a percepção de que todas as pessoas tenham direitos e igualdade de acesso, tanto aos benefícios, como para as oportunidades que as cidades podem oferecer dentro desta nova percepção.

Assim, por intermédio das diretrizes da Nova Agenda Urbana¹, tem-se a pretensão de fomentar as interações sociais por meio da facilitação do acesso às redes de comércio e mercado locais como uma opção que contribui para a sustentabilidade e a segurança das relações.

A Nova Agenda Urbana promove uma “Chamada para Ação” e, a partir deste chamado, busca o comprometimento das pessoas para desenvolver as economias de forma vibrante, sustentáveis e inclusivas, observando vantagens competitivas, patrimônio cultural e recursos locais, sem se afastar dos padrões de consumo e de produção sustentáveis, com a promoção de um ambiente favorável aos negócios e à inovação, bem como à subsistência.

Um elemento que está interligado para o desenvolvimento sustentável e, por consequência, alinhado com a implementação de novos padrões de consumo, é o aspecto cultural e a diversidade cultural, entendido pela Nova Agenda Urbana como fontes de enriquecimento para a humanidade, pois possuem um papel ativo para a implementação destes novos padrões, assim, temos incorporado um novo reconhecimento da correlação entre a boa urbanização e o desenvolvimento.

Em relação ao comércio eletrônico, tem-se que esta modalidade representa significativa parcela dos negócios na atualidade, na medida em que, enquanto as vendas do varejo físico brasileiro encolheram 10% nos anos de anteriores, o comércio eletrônico expandiu 7,4%. Ademais, estima-se que quase um quarto da população tenha realizado ao menos uma compra pela internet a cada ano. Esse crescimento ressalta a necessidade de se atualizar o Código de Defesa do Consumidor de modo a incluir proteções específicas para esse tipo de comércio, mas sem esquecer do consumo consciente.

Em 1996 foi promulgada pela ONU a Lei Modelo sobre o Comércio Eletrônico², tema que já era objeto de debates desde 1985 sob a temática da obrigatoriedade dos documentos serem assinados a mão e que fomentou um aprofundamento do estudo sobre os usos de meios eletrônicos, sendo que a Lei Modelo tem como escopo apresentar um conjunto de regras aceitáveis no âmbito internacional, bem como direcionadas para o fim de superar eventuais obstáculos legais e transformar o comércio eletrônico um tanto quanto padronizado para que fosse previsível para as partes contratantes.

No contexto histórico, a Lei Modelo sobre o Comércio Eletrônico é relevante pelo fato de ser o primeiro texto legislativo em que se estabeleceram os princípios fundamentais, quais sejam: i.) não discriminação, no qual garante que um documento não terá negado seus efeitos jurídicos, validade e exequibilidade pelo fato de ser em formato eletrônico; ii.) neutralidade, que demanda a adoção de dispositivos cujo conteúdo seja neutro em relação à tecnologia utilizada, em especial, ante a rápida evolução tecnológica; e iii.) equivalência funcional: estabelece que as comunicações eletrônicas podem ser equiparadas às comunicações em papel / meio físico.

De acordo com as propostas de Projeto de Lei apresentadas relacionadas ao comércio eletrônico e o CDC temos, de forma congruente, a justificativa que se torna necessário atualizar as disposições legislativas previstas no CDC de acordo com as novas regras e relações jurídicas que são praticadas no ambiente eletrônico (comércio eletrônico).

A relevância do tema se justifica pelo volume que as transações realizadas pelo e-commerce apresentam nos números do faturamento pois, de acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (“CNC”), o faturamento real do e-commerce no ano de 2020, descontada a inflação, avançou 37% (trinta e sete por cento) em comparativo com 2019 (total de vendas R$ 164,2), totalizando valor um recorde de R$ 224,7 bilhões no ano de 2020.

Em sendo assim, o constante incremento da complexidade das relações de consumo em consonância com as novas tecnologias e nova forma do ato de consumo, demanda que os princípios e regramentos previstos em nosso ordenamento jurídico sejam atualizados para proporcionarem uma efetiva proteção aos consumidores. Soma-se a este fator o fato de que as organizações vivenciam um período de constante aperfeiçoamento de acordo com a modernidade e, por corolário, tem-se o surgimento e aperfeiçoamento das tecnologias da informação cada vez mais presentes nas relações jurídicas, que modificam os modelos de negócios até então existentes.

Neste contexto, pode-se destacar a preocupação com o diálogo das fontes normativas, a segurança jurídica nos negócios jurídicos celebrados, bem como a proteção dos dados das pessoas que participam desta relação.

No ano de 2013 foi editado o Decreto nº 7.962, de 15 de março de 2013, no escopo de regulamentar o CDC e dispor sobre a contratação no comércio eletrônico, prevendo que as contratações neste ambiente devem observar os aspectos: i.) informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor; ii.) atendimento facilitado ao consumidor; e iii.) respeito ao direito de arrependimento. Referido Decreto (7.962/2013) ainda estabelece (artigo 2º ³) que os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, informações específicas, como forma de auxiliar o consumidor nos negócios jurídicos celebrados.

Por seu turno, havia o Projeto de Lei do Senado nº 281, de 2012, com a pretensão de estabelecer que as relações jurídicas e o ordenamento jurídico deveriam ser interpretados e integrados da maneira mais favorável ao consumidor e dispor sobre normas gerais de proteção do consumidor no comércio eletrônico, no escopo de fortalecer a sua confiança e assegurar tutela efetiva, preservar a segurança nas transações, a proteção da autodeterminação e da privacidade dos dados pessoais.

Tem–se, igualmente e de tramitação subsequente, o Projeto de Lei do Senado nº 3514, de 2015 (com origem no PLS281/2012), que almeja aperfeiçoar as disposições gerais do Capítulo I do Título I e dispor sobre o comércio eletrônico, e o art. 9º do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), para aperfeiçoar a disciplina dos contratos internacionais comerciais e de consumo e dispor sobre as obrigações extracontratuais.
Outro projeto a se destacar é o Projeto de Lei nº 7522, de 2017, também com o escopo de dispor sobre a prestação de informações ao consumidor usuário de aplicações de internet destinadas à comercialização de produtos e serviços.

Referido PL7522/2017 pretende incluir o artigo 33-A e um parágrafo único, ao prever nos seguintes termos:

Art. 33-A Em caso de oferta ou venda de produtos ou serviços por meio de aplicação de internet, o consumidor deve ter acesso, na referida aplicação, a informações cadastrais do fornecedor que deverão incluir, entre outras, o nome, o endereço, o número telefônico ou o endereço de correio eletrônico e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ.

Parágrafo único. Na aplicação de que trata o caput também deverão constar informações relativas à política de vendas, trocas e reembolsos, assim como à proteção do consumidor, tais como legislação e normas técnicas aplicáveis aos produtos e serviços fornecidos e contatos para as entidades integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) pertinentes”. (NR)

De acordo com Vitória Monego Sommer Santos 4, a implementação no contexto do CDC incorrerá em maior consolidação do instituto do direito de arrependimento, e esclarecerá muitas questões e dúvidas existentes quanto ao seu exercício. Como resultado prático desta atualização do diploma consumerista, destaca que será o fortalecimento ainda maior da proteção ao consumidor. Espero que, em tempos de grandes mudanças, minhas reflexões e sugestões se mostrem úteis em aperfeiçoar o ordenamento jurídico brasileiro.

Em sendo assim, este constante crescimento corrobora a relevância da matéria e a necessidade de atualizar o Código de Defesa do Consumidor em consonância com as proteções jurídicas que este modelo de negócio jurídico demanda, bem como considerando o fato de que diversos fornecedores não dispõem dos mecanismos adequados para o suporte ao consumidor.

¹ Nova agenda urbana. Disponível em: http://uploads.habitat3.org/hb3/NUA-Portuguese-Brazil.pdf

² UNICITRAL. Lei Modelo da UNCITRAL sobre assinaturas eletrônicas. Viena: 2001. Disponível em: http://www.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/electronic_commerce/2001Model_status.html

³ Art. 2º Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações:
I – nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda;
II – endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato;
III – características essenciais do produto ou do serviço, incluídos os riscos à saúde e à segurança dos consumidores;
IV – discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou seguros;
V – condições integrais da oferta, incluídas modalidades de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e
VI – informações claras e ostensivas a respeito de quaisquer restrições à fruição da oferta.

4 SANTOS, Vitória Monego Sommer. Reflexões sobre o direito de arrependimento no comércio eletrônico e a atualização no CDC: contribuições ao PL 3.514/2015. Revista de Direito do Consumidor. vol. 126. ano 28. p. 375-404. São Paulo: Ed. RT, nov.-dez./2019, p. 403.

Aloisio Szczecinski Filho é advogado sócio no escritório Arthur Salibe – Sociedade de Advogados. É mestrando em Direito Civil na USP e mestrando em Direito de Negócios na FGV SP.

*Originalmente publicado em: arthursalibe.adv.br/artigo-030921.html

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