Pedido de reconhecimento de vínculo empregatício e violação de segredo empresarial – Alerta para as Startups e Big Techs

por Carolina Alves

As Big Techs são grandes empresas de tecnologia responsáveis por moldar a forma das pessoas trabalharem, comprarem e até se comunicarem, através de modelos de negócios escalonáveis, metodologias ágeis e facilidade de atualização constante.

Neste cenário é que passaram a circular, em nível mundial, inúmeros pedidos de reconhecimento de vínculo empregatício em face da Uber, empresa que atua no setor de transportes mediante a solicitação de carro para uma viagem pelo cliente e o aceite do trabalho pelo motorista parceiro que estiver próximo ao local e disponível. A empresa afirma oferecer a ajuda da tecnologia para facilitar a locomoção, através de uma plataforma global.

Nos moldes dos artigos 2º e 3º, ambos da CLT, os elementos essenciais para o reconhecimento do vínculo empregatício devem ser seguros e coesos, destacando-se dentre eles a pessoalidade, onerosidade, habitualidade e subordinação, nos seguintes termos:

Art. 2º, CLT:
“Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.”

Art. 3º, da CLT:
“Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”

A pessoalidade do motorista de aplicativo, o trabalho prestado de forma contínua e a onerosidade não chegam a ser o cerne da questão do pedido de reconhecimento de vínculo empregatício.

A distinção entre o trabalho autônomo e subordinado, no caso deste tipo de relação de trabalho, será feita pela produção de provas quanto ao elemento da subordinação. Para não configuração de vínculo empregatício, deverá ser comprovado nos autos a efetiva autonomia do trabalhador e liberdade de escolha quanto a forma de prestar os serviços.

A subordinação tradicionalmente conhecida se dava pelo controle pessoal e direto do empregado pelo empregador. Com o avanço da tecnologia, essa subordinação sofreu evoluções, chegando a existir a “subordinação ao algoritmo”, onde a subordinação é feita por meio do aplicativo a que se sujeita o empregado.

No caso em específico da Uber, o motorista parceiro poderia ter o reconhecimento de vínculo empregatício se comprovasse, dentre outras questões, que a empresa estabelecia, por meio do aplicativo, regras para a execução do trabalho (modo, tempo, trajeto), que a recusa por corridas ou ficar “offline” importariam em perda de remuneração ou de premiação ou ainda que algumas condutas do parceiro ensejariam em atribuição de notas ruins e outras penalidades.

Ressalta-se que ao admitir a prestação de serviços para a plataforma, a empresa assumirá o ônus da prova, nos moldes do artigo 373, II, do CPC e artigo 818, II, da CLT.

Foi neste cenário e com base em uma reclamação trabalhista concreta e individual (RT nº 0100531-98.2020.5.01.0080) que o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, confirmou a ordem judicial da 80ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, onde se determinava a realização de perícia técnica no algoritmo utilizado pela empresa Uber e nos documentos de desenvolvimento do código fonte, com objetivo de subsidiar o exame da presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego.

Sem querer esgotar o tema e esclarecendo de forma bem didática, o código fonte é a base da construção do aplicativo, sua parte fundamental. É constituído do conjunto de instruções necessárias para fazer o aplicativo funcionar, por meio de uma linguagem de programação.

algoritmo por sua vez, inserido no código fonte, é a sequencia finita de instruções bem definidas e não ambíguas para resolução de uma tarefa, ou seja, os passos e instruções para solucionar os problemas propostos pelo aplicativo.

É com base em um algoritmo, por exemplo, que a plataforma conseguiria classificar milhões de usuários e parceiros de um modo mais eficiente que seus concorrentes. Com análise do algoritmo também seria possível identificar como a plataforma se comporta diante das diversas circunstâncias que foram previstas em seu modelo de negócio como, por exemplo, se o motorista parceiro não aceitar uma corrida, se haverá alguma punição.

Para simplificar e entender a complexidade da questão, a leitura do algoritmo e do código fonte, trará à tona como o aplicativo foi programado para pensar e como foi escrito. Igualmente com essa análise é possível modificar a forma de funcionamento do aplicativo (acrescentar, remover recursos) e replicar seu modelo de negócio.

O ponto de alerta aqui não é o reconhecimento de vínculo empregatício entre a Uber e os motoristas parceiros, a legitimidade e competência para obrigação de entrega do código fonte e qualquer outra questão individual que pudesse ser ventilada em processos concretos, mas sim, o deferimento deste tipo de prova pericial.

A realização de prova pericial em código fonte e fornecimento de algoritmo, hoje teve como demandada Uber, entretanto, a questão é de relevância e ponto de alerta, inclusive para Startups, já que existem inúmeros outros aplicativos eletrônicos de destinação semelhante, como por exemplo: faxina doméstica, carga de materiais, delivery de refeições, delivery de produtos diversos, consultoria jurídica, consulta de saúde, etc.

A realização da prova pericial em algoritmo e código fonte de sociedades empresariais deverá ser feita com ressalvas pelo Poder Judiciário, já que há grande risco de se violar o segredo do negócio, protegido por questões de patente, propriedade intelectual e regras concorrenciais.

Vale lembrar que durante a tramitação processual o magistrado tem a ampla liberdade na condução do processo e pode determinar que as partes juntem os documentos necessários para o deslinde do feito, com fulcro no artigo 765, da CLT e 396, do CPC, sendo a penalidade processual aplicada para a parte que não efetuar a exibição, é que sejam admitidos como verdadeiros os fatos que a outra parte pretendia provar com os documentos não exibidos (art. 400, CPC).

Neste caso em específico, de um lado temos que o ônus da prova compete a empresa (partindo-se da premissa de reconhecimento da prestação de serviço), com penalidade expressa de se admitir como verdadeiros os fatos alegados, cujos documentos ou coisa não forem exibidos. De outro lado temos a revelação de segredo empresarial e violação do código fonte, mediante produção de prova pericial, na tentativa de se comprovar a subordinação por algoritmo.

Entendemos que o deferimento da prova pericial nestes casos envolvendo algoritmo deve avaliar a pertinência sobre o binômio da necessidade e proporcionalidade, além de se utilizar de outros meios probatórios menos prejudiciais para a empresa. Isso porque, a mera concessão de segredo de justiça ao processo trabalhista não garante que segredo do negócio não será exposto ou colocado em risco, uma vez que as partes e servidores envolvidos terão acesso à informação fundamental da empresa, correndo-se o risco de vazamento de informação.

Por todo o exposto é que nos parece totalmente pertinente a concessão de efeito suspensivo ao recurso ordinário, em sede de mandado de segurança (nº 0103519-41.2020.5.01.0000), interposto pela Uber, no qual o Tribunal Superior do Trabalho, por meio de decisão monocrática e liminar determinou a suspensão da realização da prova pericial no algoritmo e código fonte, até julgamento do recurso ordinário, acreditando-se que deverá prevalecer o resguardo ao segredo empresarial.

Carolina Alves é advogada no escritório Claudio Zalaf Advogados Associados.
carolina.alves@claudiozalaf.com.br

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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