Histórias e histórias de e sobre mulheres

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

“Pra ser guerreira, precisa acabar com suas lágrimas” (Frase do filme ‘Mulher Rei’)

Vou narrar algumas histórias, com um misto de ficção e realidade. Histórias que presenciei ou a mim foram contadas. Por isto, nomes, locais ou mesmo datas serão de ficção. As histórias envolvem dor, sofrimento, perdas, mas também esperança e conquista.

Vamos às histórias.

As cuidadoras

O dinossauro olhava em sua volta naquele quarto de hospital e via só homens como seus companheiros de leitos. A maioria deles, em situação grave de saúde: AVC, derrames, doenças respiratórias, rins ferrados, como o dele, e por aí vai.

A maioria dos acamados não andava e alguns já não conseguiam se comunicar, mas precisavam de cuidados. Precisavam de alguém que lhes desse de comer na boca, banho, troca-se fraldas e por aí vai.

A maioria dos profissionais eram mulheres, mas o que mais chamou a atenção do dinossauro é que os acompanhantes eram também mulheres. Raros eram os casos de homens. A maioria destas cuidadoras eram mulheres e parentes do paciente.

O dino também observou que a origem destas cuidadoras vinha de uma situação precária de vida, que na maioria das vezes, dependia da renda salarial do cônjuge ou do ente parentesco, que ali estava enfermo.

Uma realidade de pobreza e muito sofrimento, dificuldades desde transporte de casa para o hospital até a alimentação no dia a dia. Mulheres estas de dupla jornada: um trabalho fora de casa, em casa e naquele momento até tripla jornada, pois tinha que cuidar do ente querido na instituição de saúde.

Muitas destas mulheres silenciavam quase o tempo todo, outras já faziam amizades com outras mulheres também cuidadoras. A identificação de histórias era evidente e clara, entre elas. Isto facilitava uma relação de fraternidade, solidariedade e carinho.

Uma ajudava a outra. Partilhava-se comida, aprendizagem, procedimentos de como cuidar e outras questões. Mas também se trocava o sofrimento, não só daquele momento, mas de uma vida toda. A fome e a miséria presente na vida de muitas.

O abandono do companheiro, a deixando só e fazendo crescer a feminilização da família. Histórias de violência física e psicológica, deixando marcas visíveis e invisíveis. Naquele local de dor, estas mulheres, apesar das dificuldades não se abatiam, iam em frente. Agarravam-se em uma fé em Deus e deuses fenomenais, orações eram feitas todo dia, toda hora.

O dinossauro lembrou-se do livro “Saber Cuidar”, do teólogo e escritor Leonardo Boff. Cuidar é um ato de amor e também de fé em que a esperança pode chegar e, com ela, a felicidade.

A maioria daquelas Mulheres não cumpria protocolos por serem esposas. Estavam ali e com aquela dedicação no cuidar, pois amavam, a ponto de se entregarem por inteiro. As cuidadoras não percebem salários para cuidar de seus parentes. As cuidadoras não reivindicam salários, nada paga sua dedicação a salvar vidas.

O dinossauro compreendeu que aquelas mulheres eram protegidas pelo Divino. Compreendeu também, que no mundo dos homens, elas cuidam, mas não é justo.

Certo?

A menina da flor na cabeça

Maria Lúcia desde pequena adorava flores, de todas as espécies. Sua vozinha lhe ensinou cuidar das plantas com muito carinho, desde cedo, jogando água, colocando terra nos vasos. Mais tarde podando roseiras e arvores.

Outro costume era de escolher as mais bonitas flores e colocar em seus lindos cabelos negros, fruto da miscigenação de uma mãe descendente de indígenas e o pai negro.

Maria Lucia cresce, estuda, se forma em administração e vai trabalhar em uma grande indústria da cidade. Formosa e com o hábito da flor nos cabelos, Lúcia, como muitos a chamavam, vai sofrer um bocado naquele local.

Seu chefe, um homem branco que se gabava aos amigos de suas conquistas amorosas, mesmo sendo casado, se engraça com a menina Lúcia. Primeiro gracejos, tipo você é tão competente e bonita. Depois os toques de leve, nos ombros e abraços demorados com as mãos dele passada nas costas.

E com a terceira investida, as ordens para que ela fizesse hora extra. Com o escritório vazio, as investidas começaram a serem mais sérias. As mãos agora percorriam o corpo todo, e os gracejos já eram mais diretos, como “quero você inteira, me beija, vamos ao motel” e por aí vai.

Maria Lúcia diz não a todas as tentativas do chefe, mesmo morrendo de medo. Um dia vem a gota d’água: sozinhos, o chefe lhe agarra e tenta tirar suas roupas, ela foge dele e vai embora. Em casa, nada conta. Silêncio total. No dia seguinte, nova tentativa. Nova fuga.

E isto se sucedeu por alguns dias. Até que o chefe disse que, já que ela não colaborava, não precisava mais dela na empresa. Em casa, novo silêncio. Chegou, não comeu e foi para seu quarto. Não dormiu, as imagens do homem branco a atacando não sai de sua cabeça. Deu uma desculpa aos pais de que tinha tirado férias.

Dias depois, a irmã de Lúcia achou estranho o fato de a irmã não sair do quarto para nada. Não comia, não tomava banho, e quando saía nada falava. Seu estado físico era deprimente, magra e pálida. Resolveu então entrar no quarto, sem bater ou anunciar ser ela. Entrou e viu Maria Lucia aparentemente dormindo.

Ao se aproximar e tocá-la, viu que estava sem pulso e ao seu lado um frasco de comprimidos vazio. Maria Lúcia se suicidou após sofrer assédio e importunação sexual de seu chefe.

Uma rosa vermelha estava presa em seus cabelos, no dia de sua morte.

E Madalena chorou

Madalena se casou muito cedo, aos 14 anos, e aos 15 já teve seu bebê, a menina Sara. Aos 16, o marido resolveu abandoná-la, a deixando sem proteção, sem nada com uma menina pequena para criar.

Mada, como a família e os amigos a chamavam, gostava de cantar, queria ser cantora. Fez uns versinhos para a filha e a ela cantava todas as noites.

“Seu coraçãozinho, bate sem parar.
Seus batimentos alegram o meu estar.
O Eu te amo e de ti cuidarei
Faz que sempre aqui estarei”.

Os versinhos de uma canção jamais terminada eram um alento em dias em que Sara estava chorando e não conseguindo dormir. A acalmava e ela cai no sono. E a criança foi crescendo e Mada nunca mais se desgrudou dela.

Sozinha, Madalena foi a luta. Doméstica, trabalhou na casa de bacanas, explorada e às vezes humilhada por ser pobre e negra. Mas, guerreira, nunca deixou se abater.

Mas a vida nos prega uma peça. A menina Sara, jovem, se envolve com um malandro e vai presa por estar junto com ele, pego com drogas. Sara vai para a sucursal do inferno, como dizia Madalena. Apanhava dia sim, dia não. Ou de detentas ou carcereiras.

Um dia, de frente com o portão do presídio, sentou-se no meio fio e chorou, cantando os versinhos da música inacabada. E assim foram anos e anos, indo e vindo da cadeia, chorando e cantando.

Se não minha, não é de ninguém

No velório, amigas comentavam que Gertrudes tinha sonhos. Dizia que, depois da separação, decidiu voltar a estudar, fazer um curso de direito. Queria ser advogada para ajudar mulheres que, como ela, sofriam violência doméstica.

Falava Gê, como todos a chamavam, que demorou muito para perceber que vivia uma relação tóxica e violenta. Mas o sonho de ser uma defensora das mulheres não se concretizou. Encantou-se por um rapaz, bonito, charmoso, inteligente, já no primeiro encontro.

Namorou um tempo, e logo se casaram. Muitas de suas amigas já conheciam o passado do galã e tentaram lhe avisar: “tome cuidado, ele foi acusado por duas ex de violência”. Mesmo assim, resolveu arriscar. Primeiro mês, céu cor de rosa, segundo um pouco amarelo e no terceiro cinza.

Começou com um ciúme descontrolado, a proibindo de sair sozinha com amigas e com homens então, nem dirigir a palavra. Segundo passo foi persegui-la e vigiá-la por onde ia. Em casa, o mau humor substituiu a empatia e a brutalidade das palavras aumentou.

Até que o primeiro tapa saiu. Mas Gê não suportou e foi embora. Mesmo assim, ele continuou com sua prática de “stalker”, inclusive nas redes sociais dela e as perseguições. Insultos e ao mesmo tempo palavras de arrependimento saíam com frequência na boca daquele homem.

Até que um dia, saindo com duas amigas para uma festa, foi abordada pelo ex. Com uma faca nas mãos, a agrediu várias vezes. Mesmo com os gritos e apelos das amigas para ele parar, ele não cedeu. Preso, no depoimento na delegacia, explicou o motivo de matá-la:

“Se não for minha, não é de ninguém”.

Ação solidária

A Casa da Criança de Limeira, que trabalha há décadas com órfãos ou em situação de risco, precisa de nossa colaboração. No dia 24 de março, um evento solidário será realizado como forma de arrecadar fundos para a manutenção da instituição.

A entidade servirá marmitex com cassoulet, acompanhado de arroz e feijão. As encomendas podem ser retiradas na própria Casa da Criança (Rua Capitão Flaminio, 629, Centro, Limeira/SP). Os convites custam R$ 70 e a refeição é para duas pessoas.

Contatos de vendas: WhatsApp do presidente eleito, Orlando Forster: (19) 98124-8462. Vamos colaborar!

PS: Marielle Franco VIVE entre nós. Dia 14 último, completou seis anos que ela foi assassinada.

A todas e a todos, um bom final de semana.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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