Família de médico envolvida com milhares de atestados falsos em Sorocaba é condenada


A Justiça de Sorocaba julgou nesta sexta-feira (8) o caso que envolveu um médico, sua esposa e a filha de emitirem, ao menos, 4 mil atestados falsos entre 2014 e 2019. O episódio ficou conhecido como a farra dos atestados. A prática, conforme apuração do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), provocou prejuízo milionário em empresas e resultou na demissão em massa de trabalhadores que se beneficiaram da prática ilícita. O juiz José Carlos Metroviche, da 1ª Vara Criminal, também determinou que a família indenize as empresas em, ao menos, R$ 500 mil.

O caso veio à tona a partir de uma reportagem exibida no Fantástico, da Rede Globo, e a partir da notícia a investigação teve início e as próprias empresas passaram a fazer levantamentos nos seus RHs para descobrir quais funcionários tinham sido beneficiados. Elas identificaram um padrão: o médico tinha especialidade diferente da patologia indicada no atestado; os afastamentos ocorriam com mais frequência em finais de semana e período onde havia feriados com possibilidade de emendas; funcionários diferentes apresentavam atestados do mesmo médico em pouco espaço um do outro. “Os réus agindo com dolo, e movidos pela ganância de obterem lucro fácil, de maneira continuada, falsificaram, ao menos, 4 mil documentos particulares [atestados médicos], em prejuízo dos mais diversos empregadores desta cidade e comarca de Sorocaba”, consta nos autos.

O representante de uma empresa citou que identificou a existência de 722 dias de ausência, frutos de 384 atestados falsos num período de 18 meses entre 2018 e 2019. Todos os funcionários que apresentaram o documento foram demitidos. Além do prejuízo provocado pelas ausências, as demissões tiveram por consequência ações trabalhistas ajuizadas pelos ex-funcionários contra a empregadora. Ainda nessa empresa, circulou que os valores cobrados por atestados variavam entre R$ 35 e R$ 40 e o prejuízo dela ficou em R$ 241 mil.

Em outra empresa vítima, ao menos 1.560 atestados emitidos pelo médico foram identificados entre 2018 e 2019. Se aumentar o período, desde 2015 totalizaram aproximadamente 3,6 mil atestados, que resultaram da demissão de 34 funcionários e prejuízo de R$ 373 mil, entre as horas que foram pagas sem que o trabalhador exercesse as funções e as rescisões trabalhistas.

Numa terceira empresa, a direção encontrou 4 mil atestados médicos emitidos no período de 18 meses, que foram ofertados por 200 funcionários entre janeiro de 2018 até junho de 2019. Houve um prejuízo estimado em mais de R$ 2 milhões.

Por último, uma quarta empresa identificou, num período de 12 meses, 145 atestados médicos emitidos para quatro funcionários. O prejuízo para ela foi de R$ 40 mil.

DENÚNCIA
Na denúncia, o Ministério Público (MP) apontou que o médico S.F.C.C., sua esposa S.O.C. e a filha F.C.C., além da falsificação, se associaram pelo cometimento do crime. Na investigação do Gaeco, foram apreendidos inúmeros atestados em branco, alguns já constando o nome e o número de inscrição no CRM do réu e, para o MP, indicava que as pessoas beneficiadas não passavam por qualquer atendimento médico, mas recebiam o atestado.

Quando os promotores solicitaram os prontuários dos pacientes, o médico afirmou que o computador tinha sido danificado em razão de uma descarga elétrica, mas foi verificado que o equipamento tinha sido formatado.

Consta também nos autos que, como o médico permanecia muito tempo fora da clínica, as outras duas ré eram responsáveis em fornecer o atestado e receber os valores. As empresas vítimas participaram da ação como assistentes de acusação. Os réus permaneceram em silêncio em juízo.

JULGAMENTO
Após analisar os autos, o magistrado acolheu a tese do MP pela condenação da família. “Ao final, infelizmente, concluiu-se que os réus utilizavam a medicina para usufruir vantagem financeira em prejuízo de empresas que se sujeitavam a abonar faltas de seus funcionários, diante de atestados falsos apresentados. E a conduta dos réus ao longo das investigações, até o interrogatório, é típica de confessos. Computador formatado. Documentação da clínica não em ordem. Silêncio em juízo quando interrogados. Sem dizer que passaram quase todo o processo atacando formalidades circunstanciais e não o núcleo da ação, ou seja, tentaram desviar o foco”, mencionou.

O juiz também citou o réu, como médico, deveria zelar pelos preceitos éticos da profissão que escolheu. “Se já não bastassem a falta de experiência e trato em outras áreas, o profissional uniu-se à esposa e filha, em associação criminosa [de forma estável e permanente] ao longo dos anos para expedir atestados médicos que não espelhavam a realidade. Lamentável. E como quase sempre não estava na clínica, esposa e filha é que ficavam com o encargo de receber a clientela, expedir os atestados [já assinados] e angariarem lucros. Certamente no recolhimento do lar, acertos e conversas sobre o expediente na clínica e o que fazer, eram tratados. O resultado disso? Prejuízo para as empresas, entre elas, as que estão efetivamente participando do processo, pelo assistente de acusação. Sem dizer da quebra de credibilidade que pode alcançar a classe médica perante a sociedade em geral. Sem dizer da gravíssima conduta do réu que como médico, deveria zelar pelos preceitos éticos da medicina. É uma situação desagradável. Vale ressaltar que a sentença está devidamente fundamentada, demonstrando que os réus devem ser condenados nos exatos termos da denúncia. Finalmente, pelos prejuízos sofridos, foi fixada uma indenização para cada uma das empresas. A indenização foi apenas pelos prejuízos materiais. Simbólica”, concluiu.

O médico, a esposa e a filha foram condenados à pena de dois meses e dias dias de detenção, substituída por restritiva de direitos consistente em prestação de serviço à comunidade pelo mesmo período e proibição de frequentar determinados lugares. O juiz também fixou o valor mínimo para reparação dos danos causados em R$ 500 mil a ser pago, de forma solidária pelos réus, a cada uma das empresas vítimas, valor que terá juros e correções. Cabe recurso.

Foto: Freepik

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