Entenda o que é a Lei Marcial decretada pela Ucrânia e o que há de parecido no Brasil

Com a invasão ordenada pelo presidente da Rússia, Vladimir Putin, em seu território, a Ucrânia decretou, na última quinta-feira, a chamada Lei Marcial em todo o país após os ataques militares. A medida assinada pelo presidente Volodymyr Zelenski significa que, em tempos de conflitos, as leis e autoridades civis são substituídas por leis militares.

E no Brasil, o que pode ocorrer em situação semelhante? Procurador regional da República em Brasília, Vladimir Aras explicou nesta sexta-feira, em seu perfil no Twitter, que o artigo 137, inciso II, da Constituição Federal, diz que o estado de sítio pode ser decretado em caso de “declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira”.

Sobre a Ucrânia, Aras explica que a Constituição do país do leste europeu trata do estado de sítio (martial law) e do estado de emergência no artigo 64, permitindo a suspensão de garantias individuais durante tais períodos. A expressão Lei Marcial, segundo ele, é uma referência a Marte, o senhor da guerra para os romanos.

Conforme o procurador, no Brasil, uma declaração de guerra ativaria o artigo 15 do Código Penal Militar e possibilitaria a aplicação dos tipos penais que só se consumam em tempo de guerra. Entre tais delitos estão os punidos com pena de morte, permitida pelo art. 5º, XLVII, cumulado com o art. 84, XIX, da Constituição. Trata-se da única hipótese legal prevista no ordenamento brasileiro para a pena de morte.

“Art. 15. O tempo de guerra, para os efeitos da aplicação da lei penal militar, começa com a declaração ou o reconhecimento do estado de guerra, ou com o decreto de mobilização se nele estiver compreendido aquele reconhecimento; e termina quando ordenada a cessação das hostilidades”.

Como exemplo de um crime militar imputável durante a Lei Marcial, Aras cita o delito de traição, previsto no artigo 355 do Código Penal Militar, em vigor desde 1969. “Traição: Tomar o nacional armas contra o Brasil ou Estado aliado, ou prestar serviço nas forças armadas de nação em guerra contra o Brasil. Pena – morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo.

O estado de sítio só pode ser determinado pelo presidente da República e depende de autorização do Congresso Nacional, conforme o artigo 49, inciso IV, da Constituição. Antes de sua decretação, o presidente deve ouvir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional.

Só há duas previsões legais para o estado de sítio no Brasil: comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa; e declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. Durante a sua vigência, não é possível promover emendas à Constituição.

Política de guerra

Aras lembra que o Pacto Briand-Kellog, de 1928, proíbe a guerra como política estatal. Ele explica que o Brasil é parte desse tratado, assim como a Rússia, já que a União Soviética aderiu ainda em 1928.

O procurador esclarece este pacto é conhecido como Tratado de Renúncia à Guerra e foi concluído na capital francesa (daí também o nome Pacto de Paris) em agosto de 1928. O tratado é conhecido pelos sobrenomes dos principais negociadores: o secretário de Estado Frank B. Kellogg, dos Estados Unidos, e Aristide Briand, chanceler da França.

Os signatários propuseram, continua Aras, a solução pacífica dos conflitos, ao declararem que “todas as mudanças nas suas mútuas relações só devem ser baseadas nos meios pacíficos e realizadas dentro da ordem e da paz”.

Aras explica que o Pacto de Paris foi promulgado no Brasil pelo Decreto 24.557, de julho de 1934. “Embora esteja em vigor, teve pouco efeito prático para impedir a 2ª Guerra e outros conflitos do pós-guerra. No entanto, serviu de base para o conceito de crimes contra a paz, empregado em Nuremberg”, esclarece.

O Princípio VI.a de Nuremberg, prossegue Aras, define a guerra de agressão como o “planejamento, a preparação, o início ou a deflagração de uma guerra de agressão ou de uma guerra que viole tratados, acordos ou compromissos internacionais”.

É deste conceito, segundo o procurador, que resulta o crime de agressão previsto no artigo 8º-bis do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. O artigo é resultante das emendas de Kampala de 2010, que entraram em vigor em 2018. O Brasil ainda não as ratificou, explica Aras.

Um “ato de agressão”, diz o procurador, corresponde ao uso de força armada por um Estado contra a soberania, integridade territorial ou independência política de outro Estado, ou de outra forma incompatível com a Carta das Nações Unidas.

“Um crime de agressão, conforme o Estatuto de Roma, é exatamente o que Moscou, sob o comando de Putin, fez na Ucrânia. Porém, a Rússia não é parte do tratado constitutivo do TPI. Os Estados Unidos e a China também não o são”, esclarece Aras.

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

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