Decisão do TSE sobre Jovem Pan deve ser analisada com base na Constituição

Por Luiz Fernando Maia

Com a devida vênia, a criação jurisprudencial da figura da Fake News vem, na verdade, tentar ampliar um rol taxativo de leis já existentes que tratam da calúnia, difamação e ofensa à honra ou intimidade das pessoas, já com regramento processual próprio, onde se assegura o direito de defesa, através do devido processo legal.

Como instituto inexistente no mundo jurídico, a Fake News fica sujeita a interpretações absolutamente subjetivas de ofendidos, ofensores e do próprio Judiciário, acabando por potencializar a fragilização da liberdade de expressão.

Lembramos que, desde 2009, não existe qualquer lei regulamentando a liberdade de expressão, tratada nos incisos IV e IX do artigo 5º e artigo 220 da CF/88, sendo certo que a Lei nº 12.965/2014 (princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet), em seus respectivos artigos 19 e 21, não podem ser confundidos com censura prévia, vez que o artigo 19 trata de descumprimento de ordem judicial, emanada de processo cognitivo para excluir publicação. E o artigo 21 trata da obrigação do provedor retirar conteúdo gerado por terceiros, sem a devida autorização, que atente ao direito da intimidade de pessoas, condicionado à prévia notificação pelo prejudicado.

Parece-nos que, no afã de trazer a maior segurança possível no processo eleitoral, o TSE possa estar confundindo o instituto da liberdade de expressão com o direito de impugnação ou resposta a manifestações de candidatos e partidos, dentro e fora do horário eleitoral, adentrando a sites de cidadãos que, até prova em contrário, exercem o direito constitucional de livremente se declararem a favor ou contra determinado candidato, partido ou ideologia política.

Decisão Recurso nº 0600922-17.2022.6.00.0000 – TSE: A ordem emanada do processo em testilha deve ser analisada em seu conteúdo, quanto à possibilidade de atentar ou não à liberdade de expressão. Por óbvio, a decisão deve ser imediatamente cumprida, mas pode ser objeto de recurso, neste caso dirigido ao STF, guardião da Constituição. Aliás, a atitude mais correta a ser ativada pelo grupo de mídia, caso se julgue prejudicado.

Para tal desiderato, urge que se desmembre o que é ofensa pessoal ao candidato, despojada de qualquer veracidade, que preferimos chamar de potenciais injúrias, difamações ou calúnias perpetrados pela emissora, passível de ser retirada do ar, sem ofender a liberdade de expressão, desde que respeitado o processo legal, no caso, no âmbito do direito eleitoral e o potencial extrapolamento que a decisão do TSE possa ter incorrido,  embasando-se no controverso tema “Fake News” mitigando, eventualmente, a garantia assegurada nos incisos IV e IX do artigo 5º e artigo 220 da CF/88.

Até aqui, o Judiciário trata a Fake News como um fato inverídico difundido nas diversas formas de mídias, em prejuízo de alguém, em suma uma mentira repetida em massa. Pois bem, percebe-se, face às veiculações que a petição inicial da Coligação Brasil Esperança pede a vedação, uma inovação nesta decisão do TSE, vez que existem fatos proibidos de serem veiculados, com origem histórica, documental e jurídica, ou seja, não trata-se de mentira ou para os que prefiram, uma Fake News, na própria concepção dada por seus criadores.

O exemplo aqui seria o caso de vedar-se a alusão de que o candidato recorrente já foi processado, julgado, condenado e, após todo o processo que envolveu sua condenação, foi anulado desde seu início e não foi reiniciado por outro juízo não suspeito, vez que arquivado pela idade do réu (prescrição da pena).

Ora a veiculação desta notícia, nesta cronologia, não poderia ser censurada. De outra ordem, o uso de expressões “ex-presidiário”, “descondenado”, colocado isoladamente ou em contexto diferente do histórico processual envolvendo a pessoa do candidato, traz aspecto pejorativo que justifica que seja tirado do ar e proibido sua reprodução, repita-se, nesta condição pejorativa a um candidato. Assim, a decisão ora tratada do TSE é pertinente quando aplicada de forma circunstancial e pontual ao uso pejorativo das expressões, mas jamais poderia ser vedada se colocada dentro do contexto da narrativa histórica que envolveu o candidato.

Como bem asseverou a ministra Cármen Lúcia em seu voto, a tênue linha a separar a censura como instrumento de cerceamento da liberdade de expressão e a necessidade de se tomar uma posição no processo em que votava, implica em cuidadoso acompanhamento para que a decisão não esbarre na ofensa da garantia constitucional.

Talvez, o TSE devesse incluir em sua decisão de limitadas seis laudas elementos mais pontuais e especificadores do que realmente estava sendo vedado à emissora divulgar, qual afirmação era falsa, porque e onde deturbava a verdade. Por sua vez, faltou à emissora buscar tais esclarecimentos, utilizando-se dos meios processuais próprios.

Os fins nunca podem justificar os meios. A minoria vencida (3 votos) entende que as notícias e afirmações veiculadas pela emissora refletem um direito de liberdade de expressão, chamando a atenção que dentre os votos vencedores (4), um deles e, por isso, pode ser considerado decisivo, fez ressalva quanto ao temor de se fragilizar na decisão o direito da liberdade de expressão, mas que o caso específico impunha como necessário tal medida.

Preocupante a casuística aqui, de que os fins justificam os meios, remontando à obra de Nicolau Maquiavel (O Príncipe). Uma cláusula pétrea jamais pode ser excepcionada por qualquer situação que se eleja como especial, quer porque sempre estará sujeita à discricionariedade e subjetividade daquele que declara tal excepcionalidade, quer porque um precedente, por mínimo que seja, torna ineficiente uma Garantia Constitucional.

Esperamos que a questão da Fake News e de decisões como acima seja novamente analisada pelo STF, tão logo superado o clima tenso eleitoral, para que seja abolido do mundo jurídico a figura da Fake News ou, se mantida, expressamente prevista em lei com o rol taxativo de sua tipicidade, embora, não vislumbramos diferenciadores da esdrúxula figura, em relação à calúnia, difamação, injúria ou desrespeito ao direito da intimidade.

De outra banda, como o que a Constituição não restringe, não cabe ao intérprete fazê-lo, pelo que o Princípio Constitucional da liberdade de expressão deve ser a regra interpretativa mais segura a pautar os aplicadores da Lei.

Luiz Fernando Maia é advogado e mestre em Direito Constitucional.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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