Afinal de contas, para que serve a pena?

Por Roberson Vinhali e Ângela Souza

É muito comum que o cidadão sempre manifeste sua opinião ante qualquer caso de natureza criminal de forma a ansiar por punição. Questionam as penas aplicadas, sanções impostas e sempre se chega no senso comum à mesma premissa: “No fim das contas, amanhã, ele (a) já estará na rua, mesmo!”.

A função da pena tem sido objeto de discussão tanto para leigos como para operadores do Direito. Não é difícil encontrarmos colegas de profissão que atuam em outras áreas, mas que têm dificuldades em entender o caráter da pena e sua função social.

Por este motivo, buscamos trazer ao leitor um pouco mais de informação sobre o assunto, para que este mesmo tire suas próprias conclusões. Assim, não nos deteremos tecnicamente às teorias, nem tampouco ao “juridiquês”, mas esmiuçaremos de forma acessível a todos sobre o caráter e função social da pena.

Inicialmente, ressalta-se que a pena é instrumento de afirmação do Direito Penal perante a sociedade. Ou seja, visa dizer aos cidadãos que existe lei e consequências a quem infringir estas leis. Assim, a pena também possui um caráter geral perante a sociedade. Desta forma, o que se chama de “caráter geral negativo” visa mostrar aos cidadãos que o Estado se valerá da sanção penal para punir o transgressor.

Outro ponto que merece menção é de que a pena possui caráter intimidatório, ou seja, a sociedade observa a punição ao cidadão transgressor da lei. Assim, busca-se ter tal atitude como reprovável perante os cidadãos e intimidar aos demais, apontando que do mesmo modo o Estado punirá quem comete o mesmo crime.

Entretanto, o que tão somente se menciona no senso comum, aos cidadãos leigos, é exatamente esta faceta punitiva-negativa-intimidatória. Mas não se pode esquecer que a sanção penal imposta possui também um caráter positivo e uma função social, em favor do transgressor, da sociedade e do próprio Estado.

A pena possui, além das facetas já expostas, um caráter reeducador, restaurador, ressocializador. O Estado não deve recolher o indivíduo retirando de si sua humanidade e dignidade, reduzindo-o a uma condição bruta e animal.

Em geral, quando se pensa em sanção penal, aplicação de uma pena, sempre se pensa que não há tempo que seja suficiente que faça o criminoso pagar pelo que cometeu, no caso de um homicídio, por exemplo.

Entretanto, como sabido, realmente nenhuma pena pode trazer a vida ceifada de volta. Porém, o caráter correto da pena não diz respeito somente à punição, à intimidação da sociedade, mas por outro lado, deveria ser considerada a seguinte pergunta: “Quanto tempo levaria para recuperarmos este indivíduo preso por matar alguém?”.

É bastante discutível, de modo que em alguns países ainda existe a pena de morte e a prisão perpétua. Porém, ainda assim isso não inibe o homicida de matar.

Aqui no Brasil leis surgem por influências dos costumes, cultura e princípios de uma sociedade. Entendeu-se que, a forma de penas restritivas de direitos e de liberdade é a melhor punição a ser aplicada, ainda que a teoria não seja fidedigna à realidade.

Além do que, o nosso país conta com uma Constituição Federal cidadã, que busca a aplicabilidade da dignidade humana, desta forma, não poderia ter um Estado onde não se buscasse punições de acordo com os princípios dos Direitos Humanos.

Lembrando que, de tudo o já explicitado, a pena de prisão é chamada no Direito como última ratio, ou seja, o legislador somente aplicará esta pena no caso de extrema necessidade, onde não caberá medidas alternativas como por exemplo: penas restritivas de direitos e medidas cautelares diversas da prisão. É o que foi decidido pela sexta turma do STJ – Superior Tribunal de Justiça no habeas corpus nº. 588.538/SP, de modo a ser “capazes de garantir a ordem pública e evitar reiteração delitiva, deve-se preferir a aplicação dessas em detrimento da segregação extrema”.

Porém, ao contrário do estabelecido em lei e de acordo com o CNJ – Conselho Nacional de Justiça, entre quase um milhão de pessoas presas, 45% são presos provisórios, que significa pessoas encarceradas sem uma condenação definitiva. O número total corresponde a 919 mil.

Ressalta-se ainda que, alguns presos provisórios não possuem direito a saída temporária, a famosa “saidinha”, isso se dá porque para se ter o benefício concedido um dos requisitos é cumprir no mínimo de 1/6 da pena se primário e 1/4 se reincidente, e muitos destes ainda estão aguardando julgamento, de modo que não possui nenhuma condenação, o que significa que, além dessas pessoas não terem sido submetida a julgamento definitivo condenatório, é também impedida de ter alguns benefícios que são destinados aos presos definitivos.

Hoje em dia a aplicação do princípio da inocência parece até utopia quando nos deparamos com estes dados, pois muitas pessoas estão presas há mais tempo do que acaba ficando estabelecido em sua condenação, tudo em razão de uma punição antecipada, ou seja, cumprem antecipadamente uma pena na qual nem teria sido imposta.  

Todavia, é preciso muita cautela na hora de julgar, pois ainda que haja a sensação de impunidade gerada por parte de alguns, outros estão pagando sem ao menos terem sido submetidos a um julgamento justo.

Deste modo, este artigo não tem o caráter de explorar toda a problemática social, política e econômica do porque somos um dos países que mais pune no mundo, mas, ao menos gostaríamos de deixar aqui uma reflexão de como é complexa na prática a função social da pena e da importância de sua existência ressocializadora, na qual a aplicabilidade dela por si só, na prática depende muito do acolhimento do Estado junto com uma sociedade que possa aplicar políticas públicas afirmativas para atrair: oportunidade de emprego, igualdade social, menos preconceito, educação e saúde para todos. Conscientes de que ainda não estaremos livres dos crimes, mas somente assim, estaremos no caminho certo de diminuir ou acabar com o problema, e não o remediar.

Por fim, deixamos nosso questionamento: Quanto tempo você aguentaria viver em uma prisão sendo inocente? E sendo culpado, como seria pagar sua pena e ser apontado a vida toda pela sociedade como bandido ou homicida?

Lembre-se: o Direito do culpado é o mesmo que do inocente.

Roberson Vinhali é advogado criminalista e consumerista, sendo um dos parceiros do escritório Souza & Wollinger.

Ângela Souza é advogada criminalista e uma das sócias do escritório Souza & Wollinger.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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