E agora, José? – Epílogo

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

O poeta Carlos Drummond de Andrade inaugurou, nos anos 40, o novo movimento do modernismo na literatura brasileira. Pautados por assuntos do cotidiano e do aqui e agora, alguns textos de Drummond eram verdadeiras leituras de cenário da sociedade e do País naquele momento.

O poema “E agora, José?” foi escrito em 1942, para uma coletânea de textos, sendo um dos primeiros dele a serem publicados. Um dos mais famosos, trata-se de uma reflexão de um sujeito envolto a suas dúvidas, amarguras e decepções. Um sujeito perdido no seu tempo, sem saber exatamente como resolver seus problemas e à beira de um ataque de nervos, como diria o cineasta Pedro Almodóvar.

O contexto daquele segundo ano daquela década de 40 era de Segunda Guerra Mundial. O Nazismo e o Fascismo eram realidade no mundo e sua plataforma de destruição de valores e de uma sociedade baseada na democracia era clara e evidente. Hitler e Mussolini tinham claras suas intenções.

O domínio do Planeta Terra por uma raça que, na concepção deles, era pura e capaz de governar e levar a humanidade a dias “melhores”. A tal raça era branca, católica e bem-sucedida no vil metal. Seria esta raça a dominadora do capital e da circulação de dinheiro e bens. Erra quem achava que o Nazismo não era capitalista e erra mais ainda ao dizer que era de esquerda e socialista.

Foram as grandes corporações empresariais que deram guarida a dupla de nazifascistas. Investiram milhões para tomada do poder, fortalecimento de exércitos e armas, bem como a sustentação em toda a guerra. O projeto de controle mundial pelo Nazismo passava pela destruição de programas de distribuição de renda e de valorização de direitos humanos.

A concentração de renda era ponto pacifico no ideal nazista e, para isto, o totalitarismo era fundamental para desenvolver a estratégia, que consistia no uso da força, inclusive iniciando um conflito bélico de proporções mundiais e a manipulação de narrativas em especial no debate da pauta de costumes.

Um dos maiores chefões do Nazismo foi o ministro de Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels. Ele se notabilizou por pregar e elaborar o discurso nazista, pronto para ser a verdade absoluta, baseado nas entranhas da guerra de informação/desinformação, e uma trincheira da luta do nós contra eles ou os arianos contra, judeus, negros, indígenas e pobres. Sua frase mais famosa traduz esta política: “ Uma mentira contada mil vezes torna-se verdade”.

Neste contexto é que se deu a Grande Guerra Mundial, que devastou a Europa, não só matando milhões de pessoas, como introduzindo uma ideologia da morte e não da vida.

Carlos Drummond escreveu o poema do titulo exatamente no momento que o nazifascismo coloca suas garras para fora, promovendo um dos maiores conflitos armados da História. No Brasil, vivíamos o Estado Novo, a Ditadura Vargas, com todas as consequências de um regime de exceção: torturas, exilio, mortes, censura, desigualdades sociais e por aí vai.

Além disto, era sabido por muitos que, até este ano de 42, o governo brasileiro tinha acordos comerciais e de colaboração diplomática com a Alemanha nazista. O poema não chamou na época muito a atenção, caiu de certa forma no esquecimento e outros textos de nosso autor maior tomaram a cena. Mas será nos anos de chumbo da ditadura militar, entre 1969 a 1973, que “E agora, José?” volta ao cenário.

Nas prisões e porões do regime, presos políticos se manifestavam ora com canções como Apesar de Você, de Chico Buarque, e o poema de Drummond, atualíssimo naquele momento. A encruzilhada era grande. Não se tinha muita perspectiva de reestabelecimento do Estado de Direito e Democrático, pois as instituições estavam sob intervenção ou destruídas pelos militares.

A situação econômica já previa um País de miseráveis. Apesar da propaganda fake do milagre econômico, a mesma não tardou a aparecer e desmascara a publicidade ufânica do regime. “E agora, José?” se torna novamente um clássico tendo inclusive uma versão musicada pelo cantor Paulo Diniz, muito tocada na época.

“E agora, José?” retorna depois de 82 anos de ter sido lançado. E volta com os sujeitos da História, em dúvidas, divididos e angustiados.

Este escrevinhador tem notado que estas eleições, de todas da redemocratização, é mais tensa e com expectativas de vida ou morte. Muitas pessoas, mas muitas mesmo, têm dito da ansiedade, alguns em crise, em relação a este momento. Nunca neste País um fato político chamou tanto a atenção como esta disputa Lula versus Bolsonaro. Nunca se discutiu tanta política como agora, mesmo que o conteúdo seja questionável.

Aliás, não só as narrativas, como a mais nova do bolsonarismo, de que sofrem boicote nas inserções nas rádios do Brasil. Nunca se viu neste País a violência politica com saldos horripilantes como o que vimos no último domingo, o ex-deputado e apoiador de Bolsonaro, Roberto Jefferson, atirar na polícia.

Nunca na História deste Brasil com S, se viu o Brazil com Z, promover assédio eleitoral nas empresas contra trabalhadores que optam em votar contra o governo atual.

Esta semana o Papa Francisco deu uma declaração a qual transcrevo abaixo:

“Peço a Nossa Senhora Aparecida que proteja e cuide do povo Brasileiro, que o livre do ódio, da intolerância e da violência”.

É isto que se tornou o Brasil do bolsonarismo. É este modelo de sociedade que o grupo que apoia o atual presidente tem pregado constantemente, e não sou eu que falo, são os fatos diariamente noticiados.

Nas eleições do próximo domingo, teremos que responder a dúvida do poema: e agora José, Francisca, Manuel, Luiza e tantos outros.

Se queremos um modelo de sociedade voltado para a distribuição de renda, para a oportunidade de Educação, Saúde para os pobres, sem ódio e violência a quem pensa e é diferente, precisamos garantir a democracia. Definitivamente, o bolsonarismo e seu candidato não representam a Paz e o Amor.

E para finalizar, a letra do clássico de Chico Buarque de Holanda, o qual desejo que ocorra no domingo:

A todas e a Todos, uma boa Eleição.

Apesar de você

Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar

Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.