Ação pede indenização de R$ 100 milhões ao Assaí por constrangimento em Limeira

Ação civil pública movida nesta quarta-feira (11/08) na Justiça de Limeira pede indenização ao supermercado Assaí no valor de R$ 100 milhões a título de dano coletivo moral e social pelo constrangimento provocado a Luiz Carlos da Silva, homem negro de 56 anos que precisou tirar a roupa para provar que não tinha cometido furto na unidade limeirense.

O processo foi ajuizado por duas entidades – Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro) e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos, ambas sediadas em São Paulo. É a primeira ação que chega à Justiça relacionada à abordagem vexatória que ocorreu na última sexta-feira (08/08) e que teve repercussão nacional.

“Não é preciso que a violência seja expressamente decorrente de ódio ou discriminação racial para se lhe reconheça o caráter racista: basta que ela se revele como reprodutora da violência sistêmica que comprovadamente se abate sobre a afrodescendência brasileira”, apontam as entidades.

Segundo a ação, a conduta da segurança do Assaí configura crime de constrangimento ilegal e viola o Estatuto da Igualdade Racial. Também viola compromissos assumidos pelo Brasil, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948; o Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos; a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica); a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965; e a Convenção contra a Tortura e outros tratamentos degradantes, de 1984.

Além da indenização a ser revertida para um fundo, as entidades pedem a condenação do supermercado para a adoção de diversas medidas:

1) Internalização da segurança patrimonial, com a formação de quadro próprio de trabalhadores treinados para a observância estrita dos direitos fundamentais;

2) Enquanto não houver a internalização, sejam revistos os contratos de terceirização da segurança para exigir das empresas rigoroso treinamento dos seus vigilantes e supervisão permanente das atividades;

3) Exigir dos seus fornecedores prova da adoção de medidas internas antirracistas como condição para a celebração e ou manutenção de contratos;

4) Devem ser inseridas cláusulas antirracistas em todos os contratos com fornecedores e prestadores de serviço. Caso comprovado algum fato que implique em violação dos direitos humanos, seu descumprimento deverá implicar na rescisão contratual;

5) Expressa permissão a todos os clientes e terceiros para que filmem abordagens realizadas no interior ou nas imediações dos prédios da empresa;

6) Revisão imediata dos protocolos de abordagem de segurança no interior das lojas. Os protocolos devem ser objetivos e de conhecimento dos funcionários. Não deve ser admitido qualquer procedimento que viole a dignidade da pessoa humana;

7) Compromisso de não contratar empresas de segurança que tenham, como proprietários ou funcionários policiais da ativa ou expulsos da corporação, bem como pessoas que tiveram ou têm passagens por organizações criminosas e milícias;

8) Elaboração e execução de plano detalhado para aceleração na carreira de negros e negras na empresa, permitindo que cheguem mais rapidamente a cargos de liderança, principalmente em áreas estratégicas para a empresa, tais como Recursos Humanos, Cadeia de Valor (Compras e Comercial) Marketing e Comunicação (Interna e Externa), Investimento Social Privado (Responsabilidade Social e Sustentabilidade), Segurança Patrimonial e Tributos;

9) Criação de Ouvidoria Interna e Conselho de Segurança com a participação de entidades da sociedade civil que atuam na área de Relações Raciais e Direitos Humanos;

10) Compromisso de implementação de ações estruturantes e regulares de educação em direitos humanos para todos os funcionários, com demanda para que fornecedores, sobretudo na área de segurança e vigilância, também o façam, sempre em parceria com organizações do movimento negro;

11) Apoio a instituições de ensino, liderado por pessoas negras, distribuídas pelo país para formação profissional de jovens negros e negras, com fornecimento de bolsas de estudo;

12) Contratação de pessoas negras respeitando a representatividade racial da população de cada estado do país, mas com percentual mínimo de 56,2% de negros entre os novos contratados, mesma proporção verificada na sociedade brasileira;

13) Implementação de um dispositivo digital para denúncias domésticas, de discriminação racial e de violência contra a mulher no site e aplicativos da empresa, garantido o anonimato para posterior encaminhamento aos órgãos competentes;

14) Criação de um Programa de apoio e fomento a Organizações, Incubadoras e Aceleradoras voltadas ao desenvolvimento do empreendedorismo negro nas comunidades locais;

15) O uso de peças publicitárias contra o racismo e a violência institucional, com propagandas em emissoras de TV e redes sociais de largo espectro, proporcional ao tempo da prática do crime praticado, com assunção dos erros e comprometimento com dinâmicas que eliminem a cultura que parece ter se instalado na rede;

16) Incorporar profissionais negros especializados em comunicação antirracista e não violenta, e/ou empresas e veículos de comunicação dirigidos por pessoas negras como prestadores de serviço nas áreas de marketing, comunicação interna e externa e comunicação institucional;

17) Investir 10% do lucro anual em instituições negras de combate ao racismo em diversos segmentos, tais como educação, cultura, economia criativa, empregabilidade, saúde da população negra, fortalecimento de lideranças negras, acesso a crédito, acesso a moradia, alimentação, agricultura familiar, direitos civis, justiça, acesso à tecnologia, comunicação, empreendedorismo, negócios entre outros;

18) Criação de um programa de ações afirmativas, com representatividade e proporcionalidade nas estratégias de investimento social privado, filantropia, doações, ações e ativações de marketing e marca, patrocínios e apoios e mecenatos;

19) Criação de um comitês externo e independente antirracista, composto por pessoas negras, com indicações de organizações da sociedade civil;

20) Representação de pessoas negras em seus Conselhos consultivo e administrativo;

21) Contratação de auditoria externa independente para verificação permanente do cumprimento das obrigações a serem impostas, assegurando publicidade aos seus relatórios, não circunscrito ao ambiente corporativo;

A ação foi distribuída para a 5ª Vara Cível de Limeira, onde será analisada pelo juiz Flávio Dassi Vianna. O Assaí e as empresas que o controlam serão intimadas para apresentar contestação.

Após o episódio, o Assaí pediu desculpa à vítima pela abordagem, abriu processo interno e demitiu o funcionário responsável pelo ato.

“O caso deixa a companhia certa de que precisa reforçar ainda mais os processos com a loja em questão e todas as demais. A empresa repudia qualquer ato que infrinja a legislação vigente e os direitos humanos. Considera o respeito como uma premissa fundamental para a boa convivência entre todos. O Assaí combate a violência, a intolerância e a discriminação, sejam elas de qualquer natureza, por meio de ações de conscientização, treinamento, compromissos públicos e manuais internos com orientação para os colaboradores e rede de relacionamentos, todos baseados no código de ética e na política de direitos humanos e de diversidade”, se posicionou.

O episódio é investigado pela Polícia Civil, Ministério Público, Secretaria Estadual da Justiça e Cidadania e o Procon-SP.

Foto: Divulgação

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