A água ou luz podem ser “cortadas” se a conta não for paga?

Por Edmar Silva

Dúvida frequente diz respeito à possibilidade, ou não, de ser interrompido o fornecimento de água ou de energia elétrica caso a conta não seja paga.

A resposta passa, em primeiro lugar, pela ciência de que o fornecimento de água ou de energia elétrica é considerado serviço público. Em segundo lugar, é preciso saber que existe no ordenamento jurídico o princípio da continuidade do serviço público, segundo o qual, em regra, serviço dessa natureza não pode ser interrompido (Lei 8987/95, art. 6º, §1º; e Lei 13.460/2017, art. 4º).

Diz-se em regra porque uma das exceções é justamente a ausência de pagamento por parte do consumidor/usuário. Ou seja, permite a lei, de forma excepcional, que haja a interrupção do fornecimento de água ou de luz de determinada residência cuja conta não foi devidamente paga, mas desde que o morador/consumidor seja avisado com antecedência sobre a suspensão do serviço (Lei nº 13.460/2017, com redação alterada pela Lei nº 14.015/2020).

Vale anotar que, quando essa suspensão não for precedida de aviso ao consumidor/usuário, duas consequências surgem para a empresa fornecedora do serviço: pagamento de multa e impossibilidade de cobrança de taxa de religação.

Ademais, o desligamento do serviço deve ocorrer em dia útil, durante o horário comercial e só pode envolver débito atual, ou seja, para permitir o “corte” da água ou da luz, o inadimplemento tem que ser relativo ao mês de consumo. Em caso de débito antigo, a empresa deve buscar seu crédito por meio da via adequada (notificação, ação judicial de cobrança), mas não pode interromper o serviço prestado.

Também é relevante saber que débito de água ou de energia elétrica tem natureza pessoal. Isso significa que a obrigação de pagar a conta é da pessoa que efetivamente fez uso do serviço e não do novo proprietário ou do novo possuidor do imóvel cujas contas se encontram atrasadas por culpa do antigo morador (STJ, 1º Turma, AgRg no AREsp 45.073/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 02/02/2017).

Por outro lado, não se admite a interrupção, mesmo diante de inadimplemento, quando a falta do serviço tiver potencial de afetar a saúde ou integridade física dos usuários ou de terceiros, como ocorre, por exemplo, com os hospitais, unidades de saúde, estabelecimentos de segurança pública, etc. (STJ, 2º Turma, AgRg no AREsp 543.404/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 12/02/2015; STJ, 2º Turma. AgRg no Ag 1329795/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 19/10/2010).

Em resumo, embora a continuidade no fornecimento do serviço público seja a regra, o inadimplemento pode, sim, interrompê-lo, mas há necessidade de prévio aviso ao consumidor/usuário, o débito deve ser atual, o “corte” deve ser feito em dia útil e no horário comercial e não pode afetar serviços de saúde.

Edmar Silva é analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo. Formado em Direito, aprovado no exame da OAB-SP e pós-graduando em Direito Público.

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