Vamos falar de Herança Digital?

Fabiana Santos Arruda

O acesso e a utilização da rede mundial de computadores vêm crescendo cada vez mais e se desenvolvendo rumo à posição do meio de comunicação mais importante na vida da sociedade moderna, uma vez que trouxe novas formas de comunicação, como o e-mail e os comunicadores instantâneos, por meio de aplicativos de mensagens, ligações e chamadas de vídeo, bem como as famosas redes sociais, o que possibilitou uma verdadeira revolução na forma como nos comunicamos e convivemos com outras pessoas.

Essa praticidade digital revolucionou, para além da forma como atualmente nos relacionamos com os demais, modernizou também a forma com que adquirimos e dispomos de bens, assim como gravamos e armazenamos os mais diversos arquivos e informações a nosso respeito, o que resulta em uma cloud computing ou computação em nuvem, por meio da internet, como também é conhecida, de dados com grande valor pessoal e econômico.

Embora possa parecer estranho e muitas vezes até desconfortável pensar no assunto, mas, especialmente para quem utiliza a internet, mais especificamente as redes sociais, de forma geral, como extensão da vida pessoal e fonte de renda, é imprescindível preocupar-se com o que pode acontecer com todo esse conteúdo após o falecimento do titular da conta.

Por isso, vamos falar de herança digital?

O conceito de herança digital abrange o acervo de bens e direitos publicados, usados ou guardados em servidores, plataformas virtuais ou cloud computing (nuvem), como áudios, arquivos de texto, e-mails, e-books, imagens, assinaturas digitais, jogos on-line, senhas de acesso, entre outras mídias e conjuntos de dados publicados e/ou armazenados.

Atualmente, o instituto não possui amparo específico no ordenamento jurídico brasileiro, no que tange a sua regulamentação e transferência. Em contrapartida, o referido assunto, a cada momento atinge maior proporção diante da sociedade globalizada. Confirmada a morte do titular/usuário da internet, surge a indagação de qual seria a destinação da sua herança digital, situação essa que demanda tutela jurisdicional a ser observada caso a caso, aplicando de forma análoga e extensiva as normas sucessórias do Código Civil.

Ocorre que, em sua grande maioria, as heranças digitais deixadas, possuem apenas valor sentimental, e por isso não se enquadram na espécie de bens incorpóreos admitidas em lei, não podem fazer parte do acervo hereditário de uma pessoa e nem constar na lista de bens partilháveis a serem transferidos aos seus sucessores, desta feita, não são tutelados pela legislação atual.

Mesmo diante da recente entrada em vigor da Lei 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), embora represente enorme avanço na tutela dos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, bem como do livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, perdeu-se a oportunidade de regular a proteção de dados pessoais de titulares falecidos, deixando de fora do texto da referida lei o tratamento de dados post mortem.

Por isso, enquanto não houver legislação pertinente, vigente ou ainda regulamentação do tema pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados, as grandes plataformas digitais, de uma forma geral, permitem o cancelamento de perfis mantidos por usuários falecidos, mas o acesso e/ou gerenciamento das contas ainda não possui regras uniformes.

Para esses casos, as redes sociais mais populares como Facebook, Instagram, Twitter e Linked In, por exemplo, têm protocolos a seguir em caso de falecimento do dono do perfil, em regra, um familiar ou alguém próximo deve entrar em contato com o suporte do provedor para realizar a exclusão ou solicitar a transformação da conta em memorial, para isso, é necessário comprovar o grau de parentesco e, claro, comprovar o óbito.

Especificamente no Facebook, Instagram e Google existe uma funcionalidade que pode ser ativada pelo titular da conta, ainda em vida, onde é registrado outra pessoa para gerenciar seu perfil e/ou conta após sua morte. Nas contas com contato herdeiro, como ficaram conhecidas, após a confirmação do óbito do titular, o herdeiro consegue responder às solicitações de amizades, atualizar fotos de perfil, foto de capa e fazer publicações, a depender da configuração estabelecida, de qualquer forma, terá acesso apenas às informações do perfil, o que é visualizado por todos, portanto, não terá acessos às informações pessoais, como as mensagens trocadas de forma particular.

Com relação aos mencionados bens, sem mensuração patrimonial, permanece nebulosa a sua destinação, vez que esse conjunto de dados não sustenta, por si só, a composição do interesse sucessório de uma eventual partilha quando não registrado em testamento válido, diferentemente dos bens digitais que se atribui valor econômico. 

Assim, os bens digitais, quando dotados de valor nitidamente econômico, enquadram-se perfeitamente ao conceito de patrimônio para fins de compor a herança, configurar o espólio e ser admitido dentro de eventual partilha, em conformidade com o disposto sobre o tema na legislação civilista.

A título de exemplificação, podem ser citados como bens passíveis de compor uma herança digital economicamente mensurável e passível de partilha, as atividades econômicas desenvolvidas em espaço virtual, seja a nível de planejamento, execução ou recebimento de recursos provenientes dos produtos e serviços ofertados. Da mesma forma, vale mencionar os sites e aplicativos que possibilitam a aquisição de mídias digitais, como livros, músicas e filmes, que passam a integrar a conta virtual e podem ser acessados.

Todos esses bens, por possuírem valor intrinsecamente econômico, compõem de maneira inconteste o patrimônio pessoal do usuário e por isso devem integrar o espólio para fins de sucessão hereditária.

Sendo reconhecida como concreta a possibilidade de transferência do acervo digital de usuário falecido aos seus familiares, por serem detentores dos direitos sucessórios, com base em uma interpretação lógica e extensiva das normas vigentes, caso não seja da vontade do usuário que seus familiares tenham acesso aos seus dados privados virtuais quando do seu falecimento, é necessário que seja elaborado testamento que disponha acerca de seus ativos digitais, de forma diversa aos trâmites de praxe.

Fabiana Santos Arruda, advogada especialista em Ciências Criminais e pós-graduanda em Direito e Tecnologia, com foco nos parâmetros da LGPD, atuante no escritório Rafael Rigo – Sociedade de Advogados.

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