Uso de provas obtidas por hacker é grave erro com efeito nocivo às investigações, diz professor

O Supremo Tribunal Federal (STF) analisou nesta semana o acesso por parte da defesa do ex-presidente Lula às mensagens trocadas pelos procuradores da Lava Jato com o ex-juiz Sérgio Moro, que foram obtidas de forma ilícita por meio de hackeamento.

O tribunal liberou o acesso e deve decidir, em breve, outra situação polêmica: admitir ou não o uso das mensagens no julgamento da suspeição do juiz. E sobre a utilização de conversas em aplicativos na esfera penal, o DJ conversou com Tabajara Zuliani dos Santos, delegado da Central de Polícia Judiciária de Araras, professor de Direito do Isca Faculdades e da Unar, de Araras, que leciona direito penal, processual penal e medicina legal, além de ser mestre em Direito Constitucional.

Confira a entrevista abaixo:

Nos últimos anos, mensagens trocadas por aplicativos se tornaram provas de informação. Na esfera penal, como esse tipo de prova se tornou relevante na investigação policial?
As provas contidas em conversas por meio digital se tornaram extremamente importantes para as investigações da Polícia Civil e Federal, uma vez que os aplicativos de celulares são os mais utilizados pelas organizações criminosas para as comunicações ilícitas. Isso se deve a dificuldade natural que existe na interceptação de tais meios.

Dr. Higor Nogueira Jorge, delegado de polícia, professor da Academia da Polícia Civil do Estado de São Paulo, membro da Associação Internacional de Investigação de Crimes de Alta Tecnologia (HTCIA), da Associação Internacional da Polícia (IPA-Brasil), e professor de inteligência cibernética do Ministério da Justiça, ao comentar tal cenário, esclarece: “É extremamente importante que os policiais tenham cada vez mais condições de saber lidar com esse tipo de evidências, como manter a cadeia de custódia de provas e fazer uma coleta adequada das mesmas, motivo pelo qual a Academia de Polícia Civil do Estado de São Paulo, tem buscado capacitar os policiais, para que os mesmos sejam aptos a lidar com provas dessa natureza, que são cruciais para as investigações”.

O STF julgou nesta semana a possibilidade de acesso do ex-presidente Lula às conversas entre os procuradores da Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro, obtidas por hackers e posteriormente apreendidas pela Polícia Federal. Você concorda com a decisão de liberar o acesso? Em breve, o STF deve julgar o pedido de suspeição de Moro no julgamento de Lula. Em discussão, o uso das mensagens obtidas de forma ilícita. É possível usar esse tipo de prova, tanto pela acusação quanto pela defesa?
A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LIV, veda a obtenção e utilização de quaisquer provas obtidas por meios ilícitos, bem como o Código Penal, no artigo 153, prevê o crime de “divulgação de segredo”, com penas que podem chegar a 4 anos de reclusão e multa.

Dessa maneira, por conflitar com direitos subjetivos básicos da Constituição Federal, tal liberação de mensagens pode macular, de forma bastante grave, todo o sistema processual penal brasileiro. Pontuamos, que, em caso de interceptações telefônicas, bem como em ordens judiciais de afastamento de sigilo telemático, os advogados podem ter acesso ao conteúdo produzido, uma vez que sua origem é legítima e a defesa precisa tomar conhecimento do seu conteúdo, no momento processual adequado. Contudo, não se deve legitimar e compartilhar provas obtidas por meios notoriamente ilícitos, ainda mais quando existe a possibilidade de tais informações terem sido alteradas por quem as vazou.

Importante citar, que para efeito de provar a inocência veemente de acusados no processo penal, as provas obtidas por meios irregulares podem excepcionalmente ser utilizadas, mas tal não se aplica no caso em questão, uma vez que a fonte das mensagens não é nada confiável, tornando-as extremamente temerárias.

Diante desse raciocínio, a liberação e utilização como prova de tais mensagens é um grave erro, que pode produzir efeitos bastante nocivos nas investigações policiais e processos criminais em andamento e vindouros, solapando fortemente a segurança jurídica no país.

Manter conversas pelo WhatsApp ou Telegram, que se dá em âmbito privado, e depois reproduzi-las publicamente incide em ilegalidade?
Tal conduta, além de tornarem insustentáveis a confiança e a tranquilidade entre as pessoas nos meios digitais, também pode se enquadrar no citado crime de divulgação de segredo, previsto no artigo 153 do Código Penal.

Somente pode ser aceita a reprodução de tais conversas quando um dos interlocutores está sendo vítima de crimes, como, por exemplo, ameaças, extorsões, ofensas. Nesses casos, em regra, é a única forma da vítima provar os delitos em questão.

Como operador do direito, qual é a sua orientação para usuários desses aplicativos em relação a cuidados na esfera penal? É possível cometer crimes em textos publicados a uma determinada pessoa ou divulgados em um grupo?
Responsabilidade. As pessoas precisam ter responsabilidade sobre aquilo que produzem, dizem e manifestam nas redes sociais e aplicativos de mensagens.

Dessa maneira, tanto em conversas privadas quanto aquelas que acontecem em grupos, o interlocutor tem de ter em mente que não deve agir por ímpeto, nem baseado em dados não verificados, que podem macular a verdade, divulgar mentiras e ser profundamente ofensivo aos demais. Além disso, não se pode perder de vista que várias condutas podem ser tidas como delitos, tais como crimes contra a honra, inclusive injúria por cor, origem, raça e religião, além de crimes contra a administração pública e o já citado delito de divulgação de segredo.

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