Sócio que comprou apartamento com saldo da empresa sem autorização pode ser excluído?

Duas empresárias foram à Justiça contra um sócio, e moveram ação de dissolução parcial de sociedade limitada por exclusão de sócio minoritário com pedido de tutela antecipada para seu afastamento da atividade empresarial. O motivo: as sócias majoritárias descobriram que o homem utilizou saldo da empresa, sem autorização, para a compra de um apartamento para ele.

A empresa foi constituída em outubro de 2004 e, atualmente, possui 10 mil quotas, divididas em 80% para as autoras da ação e 20% para o requerido, que desde o início gerenciou a sociedade com exclusividade, detendo todos os poderes administrativos.

Conforme descrito na ação, após a última alteração contratual, o homem, em fevereiro de 2015, sem qualquer autorização das sócias, utilizou saldo em conta da empresa, no valor R$ 375 mil para a compra de um apartamento em seu nome e passou a pagar valores que não correspondem, sequer, à correção monetária do montante retirado, cujo débito hoje alcança a quantia de R$ 437.681,15

Além disso, o requerido jamais apresentou qualquer balanço ou prestação de contas e tem dificultado o andamento da sociedade, deixando de obter junto aos órgãos públicos certificado digital. Em decorrência de sérias divergências, fazendo desaparecer a “affectio societatis” (elemento subjetivo consistente na intenção do sócio de constituir e de permanecer na empresa), as autoras entendem que o requerido vem prejudicando deliberadamente a empresa, trazendo-lhe graves prejuízos, razão pela pedem que seja excluído, com o pagamento de sua quota, após o abatimento do valor que subtraiu da sociedade sem os seus consentimentos.

O pedido de tutela foi indeferido. Na contestação, o homem apontou, em resumo, que em outubro de 2014 efetivou a compra de um apartamento sob o consentimento dos sócios (parentes das autoras), que tinham total ciência e concordância com o negócio jurídico realizado, e que também realizavam retiradas periodicamente sem quaisquer previsões de recomposição; que as retiradas dos sócios sempre foram realizadas de comum acordo, com amplo embasamento pelo contrato social, que prevê expressamente a distribuição periódica de lucros como parte da remuneração do quadro societário; que, de acordo com o contrato social, os sócios tinham direito a uma retirada mensal a título de “pró-labore”, bem como o direito à distribuição de lucros líquidos apurados proporcionalmente, respeitando as respectivas quotas de capital, cabendo-lhe uma remuneração mensal de 5% do faturamento baseado no lucro mensal da sociedade, pagamentos esses que, desde a constituição da sociedade, assim eram realizados, refletindo em uma estabilidade sobre os haveres societários.

Houve audiência de conciliação, sem êxito.

O juiz da 2ª Vara Cível de Bauru (SP), João Thomaz Diaz Parra, então analisou as provas dos autos e sentenciou o caso em 31 de dezembro de 2023.

O magistrado chegou à conclusão de que não mais subsiste a necessária “affectio societatis”, o que impõe a procedência da ação. No entanto, quanto aos valores irregulares de reposição do valor utilizado para a compra do apartamento, o juiz diz que haveria necessidade de ser aquilatada “apenas na fase de liquidação de sentença, por ocasião da apuração de haveres, quando seriam analisadas as circunstâncias do caso concreto. Todavia, quando se aquilata que a sociedade empresária, supostamente lesada, não integra a relação processual, tendo sido a ação ajuizada apenas pelas suas sócias majoritárias e para a qual acabou não sendo aquela citada, considera este Juízo que tal questão, atinente a um suposto desfalque financeiro perpetrado pelo requerido, já pode ser desde logo enfrentada e, como tal, sumariamente afastada. E isso porque as autoras postulam expressamente, na petição inicial, além da exclusão do requerido, na ‘qualidade de sócio minoritário, da sociedade empresária, e, por conseguinte, sua parcial dissolução’, a compensação do valor devido à sociedade na apuração dos haveres no percentual de suas quotas”.

Também diz: “Não resta dúvida de que a personalidade civil da pessoa natural é distinta da personalidade civil da pessoa jurídica da qual é sócia, a impedir que os sócios ou representantes legais atuem em nome próprio em prol dos direitos e interesses da sociedade. É por demais sabido que a pessoa jurídica, como sujeito de direitos e obrigações, possui existência, personalidade e patrimônio próprios e distintos de seus membros […]. O próprio Código Civil anterior, no seu artigo 20, estabelecia que não se pode confundir a pessoa jurídica, que possui personalidade própria, com as pessoas físicas dos sócios que a compõem, assim rezando expressamente: ‘As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros'”.

O artigo 601, parágrafo único, do Código de Processo Civil, diz que “a sociedade não será citada se todos os seus sócios o forem, mas ficará sujeita aos efeitos da decisão e à coisa julgada”. O artigo 602 do mesmo Estatuto diz que a “a sociedade poderá formular pedido de indenização compensável com o valor dos haveres a apurar”.

Por isso, conforme o juiz, prevalecem, em toda a sua inteireza, os argumentos já expostos no sentido de que o pedido de “compensação do valor devido à sociedade na apuração dos haveres” deveria ter sido formulado por ela própria, e não pelas autoras, ainda que na qualidade de suas sócias majoritárias. “A própria jurisprudência também enfatiza que “de acordo com o disposto nos artigos 600 e 602 do Código de Processo Civil, a ação de dissolução parcial pode ser proposta pela sociedade e esta poderá formular pedido de indenização compensável com o valor dos haveres a apurar. Com efeito, o pedido de indenização é cabível apenas em favor da sociedade, e não em favor do sócio”.

O caso foi julgado parcialmente procedente para determinar a dissolução parcial da sociedade com a exclusão do requerido do quadro societário da empresa, ficando a apuração de haveres em seu favor, de conformidade com o critério preconizado pelo artigo 606, “caput”, do Código de Processo Civil. Cabe recurso.

A Junta Comercial do Estado de São Paulo será informada da sentença para fins de averbação da dissolução parcial.

Foto: Freepik

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