O direito à informação e o papel do Ministério Público

Este é o quarto artigo da série “O Ministério Público e a Liberdade de Expressão”. Clique aqui para ler os três primeiros textos.

Por Saad Mazloum

A Constituição Federal impõe a todos os agentes públicos o dever de prestar contas de suas atividades, dando assim pleno cumprimento ao princípio constitucional da publicidade, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, dentre outros, como se verá adiante.

Ao conceder entrevista sobre suas atividades, com relação a um caso sob seus cuidados, o membro do Ministério Público está apenas fazendo valer os princípios da publicidade e da transparência. Por isso pode e deve assim proceder. Desde que, como dito linhas atrás, não exponha assuntos sigilosos ou cobertos pelo segredo de justiça, ou a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, ou revele informações que, de qualquer modo, coloquem em risco a segurança pessoal de alguém, da sociedade ou do Estado. Ou que constitua o exercício de atividade político-partidária. Fora dessas situações, francamente não se vislumbra qualquer empecilho ao contato de promotores e procuradores com órgãos da imprensa.

Na verdade, mais que cumprir os princípios da publicidade e da transparência, ao prestar contas à sociedade o membro do Ministério Público confere concretização a um dos direitos fundamentais do cidadão, profundamente relacionado com a liberdade de expressão: o direito fundamental de acesso à informação, previsto no artigo 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal – XXXIII – “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

As garantias de liberdade de expressão e de direito de acesso à informação se completam. São ambos os princípios “irmãos siameses”. O verso e o reverso da mesma moeda. Um não sobrevive ou é inútil sem o outro.

Além disso, ao relatar para a imprensa informações sobre o andamento de casos sob seus cuidados – o que normalmente acontece em casos de relevância e repercussão – conduzindo-se com responsabilidade e cautela devidas, e fora dos casos em que deva ser mantido o sigilo, como ressaltado sempre, o membro do Ministério Público cumpre papel fundamental para assegurar efetividade à Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação, que regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal.

A lei indica expressamente o Ministério Público como um dos destinatários da norma, como se vê do inciso I do artigo 1º, que estabelece também, no parágrafo único do artigo 2º, a obrigatoriedade de prestar contas, como regra, e no artigo 3º e incisos, a publicidade como preceito geral e o sigilo como exceção.

É também através dessa prestação de contas que se permite à sociedade exercer o direito de fiscalizar as ações do Ministério Público. É de interesse e preocupação geral ter conhecimento das providências adotadas pelo Ministério Público a respeito de investigações ou processos envolvendo atos de improbidade administrativa e crimes graves, como corrupção, lavagem de dinheiro, e tantos outros ilícitos que, por algum motivo, possam ter despertado alguma repercussão ou maior interesse social. E ninguém melhor que o membro do Ministério Público que esteja oficiando no caso, pois ele terá as informações necessárias e melhor que ninguém saberá quais delas poderão ser divulgadas.

Neste ponto, convém ressaltar que, justamente por cumprir seu papel em prol da sociedade com autonomia e independência, no combate a crimes e atos de improbidade administrativa, membros do Ministério Público tem sido alvo de constantes investidas. Muitas para imposição de sanções, por terem dado publicidade a procedimentos e processos sob seus cuidados. Outras tantas, e já se contam várias, para modificar ou criar nova legislação para proibir a publicidade da atuação ministerial, criar novas situações de foro por prerrogativa de função, criar novas situações de abuso de autoridade (indisfarçavelmente direcionados a membros do Ministério Público), entre muitas outras. Objetivam, em suma, ou inviabilizar o acesso à informação, ou inviabilizar a própria atuação do Ministério Público. Num e noutro caso, são conhecidas popularmente como “Lei da Mordaça”.

No próximo artigo vamos falar sobre liberdade de expressão de membros do Ministério Público em sua vida particular.


Saad Mazloum é Procurador de Justiça e membro eleito do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça do Ministério Público de São Paulo.

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