O desmonte do Ministério do Meio Ambiente sob Lula 3

Por Leandro Consentino

Nesta semana, o governo Lula frequentou os noticiários de maneira bastante ambígua: por um lado, acalmou os agentes de mercado e investidores internacionais, com a aprovação do texto-base do arcabouço fiscal na Câmara dos Deputados; por outro, preocupou esses mesmos agentes ao promover um verdadeiro desmonte do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério dos Povos Imaginários.

Esse movimento, fruto da reorganização dos ministérios aprovada pelo Congresso Nacional, exibe múltiplas digitais que vão desde o Centrão até o próprio governo de que Marina Silva (REDE) e Sônia Guajajara (PSOL) fazem parte como ministras e do qual tiveram papel importantíssimo na eleição, ainda em outubro de 2022, com a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Antes de mencionar as alterações das pastas em si, é preciso relembrar a polêmica da semana anterior, surgida a partir de um conflito entre o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e a Petrobras, reproduzido diretamente numa queda de braço entre o Ministério do Meio Ambiente, capitaneado por Marina, e o Ministério de Minas e Energia, comandado por Alexandre Silveira (PSD).

O confronto se deu em torno da exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas e evoluiu enquanto o presidente Lula estava em viagem ao G-7, no Japão. Ainda sofrendo o desgaste desta disputa, Marina viu a estrutura de seu Ministério – e de sua colega indígena, Sônia Guajajara – ser posta em xeque por uma Medida Provisória que tramitava no Congresso Nacional, com o fito de reorganizar a estrutura dos Ministério, ante a transição de governos, assinada ainda na posse de Lula.

 As mudanças, aprovadas por 15 votos a 3 em uma Comissão Mista de deputados e senadores com base no parecer do deputado Isnaldo Bulhões Jr. (líder do MDB na Câmara), levaram a gestão da Agência Nacional de Águas para o Ministério da Integração Nacional, comandado por Walder Góes (PDT, indicado pelo UB), o Cadastro Ambiental Rural (CAR) para o Ministério da Gestão e Inovação de Esther Dweck (PT) e os sistemas de informação – Sinisa (Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico), Sinir (Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos) e Singreh (Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos) – para o Ministério das Cidades de Jader Filho (MDB).

Além das mudanças no Ministério do Meio Ambiente, a comissão retirou das competências do Ministério dos Povos Originários como a gestão da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e a demarcação de novas terras indígenas e colocou essa responsabilidade sob o Ministério da Justiça, comandado por Flávio Dino (PSB) e deslocou parte das Competências da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) do Ministério do Desenvolvimento Agrário, sob Paulo Teixeira (PT) para o Ministério da Agricultura, sob o comando de Carlos Fávaro (PSD).

 A política ambiental de Marina Silva ainda sofreu outras duas derrotas no plenário da Câmara dos Deputados:  os deputados votaram uma MP editada no final do governo Bolsonaro para afrouxar as regras de proteção da Mata Atlântica, os quais haviam sido retirados pelo Senado Federal e aprovaram, por 324 a 131 votos, um pedido de urgência para o Marco Temporal, que limita a demarcação de terras indígenas aos territórios ocupados até a promulgação da Carta de 1988.

Diante de tais investidas, Marina Silva se insurgiu contra o Centrão, responsável por capitanear boa parte dessas mudanças, mas não poupou críticas ao próprio governo que anuiu tais alterações, a fim de preservar outras estruturas – principalmente na Casa Civil – e até mesmo promover uma sabotagem de suas competências, como retaliação pela oposição da Rede Sustentabilidade ao arcabouço fiscal. Ademais, há digitais do próprio Partido dos Trabalhadores buscando substituir Marina pela ex-ministra Izabela Teixeira ou pelo atual presidente da Apex, Jorge Viana, ambos filiados ao partido e mais próximos de suas ideias e práticas.

Nesse sentido, a grande dúvida do momento se dá em como o governo irá se posicionar diante de tais ataques aos ministérios – em especial, o Meio Ambiente – cuja simbologia ultrapassa as fronteiras nacionais e diz respeito a um dos compromissos centrais tanto no flanco interno como no externo. Cabe lembrar que, para além de uma pasta meramente ligada a valores da esquerda, o compromisso ambiental do país está inscrito no próprio resultado da política comercial do agronegócio, podendo abrir ou fechar portas para a conclusão de acordos como aquele entre o Mercosul e a União Europeia, interrompido justamente por problemas nesta seara, ainda no governo anterior de Jair Bolsonaro.

Dessa maneira, com a acusação de que estavam buscando implantar “o governo Bolsonaro no governo Lula”, Marina estabelece uma comparação que deliberadamente incomoda o Executiva e obriga Lula a tomar atitudes, a fim de não validar tal simetria. Assim, o próprio governo, a despeito de liberar sua bancada para avalizar tais mudanças, acionou o Supremo Tribunal Federal para revê-las, evitando um desgaste maior com a opinião pública e com a comunidade internacional.

Por fim, é importante pontuar que, se o governo comprometeu parte de sua própria agenda, isso também demonstra uma clara dificuldade no relacionamento com o Legislativo, evidenciado pela liberação de mais de um bilhão de reais em emendas parlamentares. Nesse sentido, as mudanças ora operadas parecem demonstrar que, na prática, o Congresso Nacional busca recuperar o controle que possuía durante os anos do governo Bolsonaro.

Se Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco (PSD) perderam a poderosa arma do “orçamento secreto”, buscam conservar as prerrogativas do parlamento e avançar sobre as do governo, estabelecendo, na prática, uma espécie de semi-presidencialismo branco, no qual Lula passa a ter de compartilhar parte de seus poderes, caso deseje manter-se governando o país sem sobressaltos. Quando na aprovação do arcabouço fiscal, Lira afirmou que a vitória não fora do governo, mas sim do Brasil, era exatamente esse o recado por trás da afirmação.

A grande questão é que enquanto o Executivo está mais ligado à esquerda, o Congresso eleito pelas mesmas urnas é majoritariamente conservador e a relação entre ambos sempre estará estremecida em assuntos que contemplarem a base social dos parlamentares em detrimento dos interesses do governo, tal como ocorreu na retirada do projeto de lei das fake news e na derrota das alterações do marco do saneamento básico.

O desmonte da política ambiental seria grave se fosse a causa de todo o problema, mas, ao que se percebe, pode ser gravíssimo ao constituir apenas o sintoma de uma crise ainda mais perigosa e que pode comprometer a própria agenda governamental em todos os momentos que ela colidir com os interesses do Centrão e de suas lideranças no Congresso Nacional.

Leandro Consentino é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Ciência Política pela mesma instituição. Atualmente, é professor de graduação no Insper e de pós-graduação na FESP-SP.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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