Por José Farid Zaine
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Estados Unidos VS Billie Holiday – Foto: Reprodução/Internet

A partir do título “Estados Unidos vs Billie Holiday”, já sabemos que se trata de um embate judicial em que o país se apresenta “contra” um dos maiores ícones da música de todos os tempos. Billie Holiday teve uma curta e atribulada vida, mas seu talento superlativo a colocou entre as grandes divas do jazz e do blues, influenciando gerações de grandes cantoras.

Artista negra nascida em 1915 em Filadélfia, ela fazia ecoar sua voz peculiar num período particularmente repugnante da segregação racial nos EUA. Perseguida pelo FBI , que queria a todo custo um flagrante de porte de drogas contra ela , para justificar sua prisão, a cantora se apresentava sempre sob os olhares vigilantes e ameaçadores de agentes policiais. Ousada, ela fazia de suas apresentações também uma demonstração de resistência na luta pelos direitos da população negra, segregada, humilhada e vítima de infame violência.

Não era raro, nesse período, o surgimento de negros enforcados , pendurados em árvores. Uma canção interpretada por Holiday, “Strange Fruit”, era uma referência clara a esses “linchamentos” que aconteciam. Holiday era “aconselhada” a não interpretar essa música, considerada pela polícia como perigosa. Como não podia ser presa por cantar uma música, era severamente vigiada para ser flagrada consumindo heroína, seu conhecido vício. Mas ela não se furtou a divulgar a canção, corajosamente, e a obra é até hoje um precioso registro de um tempo difícil, cujas chagas permanecem abertas e ainda causando dor e violência.

A história em “Estados Unidos vs Billie Holiday” privilegia o período em que a cantora foi presa, vítima de uma perseguição implacável do FBI. Ela era usuária de drogas, sim, mas sua prisão teve componentes claramente persecutórios.

O diretor Lee Daniels conseguiu fazer do seu longa um recorte importante da vida de Billie Holiday, mas o grande trunfo do filme é sua intérprete, a cantora e atriz Andra Day, cuja voz os brasileiros conhecem pela canção “Rise Up”, sucesso dela e um dos temas da novela “Totalmente Demais”, da Globo.

Com uma carreira ainda incipiente no cinema, Andra Day surgiu como uma atriz preparada e completa, assumindo com plenitude seu primeiro papel como protagonista: além dos seus dotes físicos, que a aproximam da imagem sobejamente conhecida da diva do jazz, ela demonstrou maturidade e competência nos momentos mais intensos do filme. O componente fundamental para a credibilidade do trabalho de Andra Day no filme foi sua voz: como a experiente cantora que é, ela canta todas as músicas, com interpretações que só valorizam a memória de Billie Holiday. Ela ganhou o Globo de Ouro de Melhor Atriz dramática, desbancando as favoritas, e obteve uma merecida indicação ao Oscar, vencido por Frances MacDormand em “Nomadland”.

No primeiro papel de protagonista já figurar, em nível de igualdade, ao lado de nomes como Viola Davis, Vanessa Kirby, Carey Mulligan e MacDormand, é algo realmente muito promissor para uma bem-sucedida carreira na tela grande.

A intensa história de Billie Holyday já rendeu muito ao cinema. Outra diva da música pop, Diana Ross, foi sua intérprete em “Lady Sings the Blues”, no Brasil chamado “O Ocaso de Uma Estrela”, dirigido por Sidney J. Furie. Ross também teve bons momentos nesse longa , principalmente ao interpretar um dos maiores sucessos de Holiday, “My Man”, num arranjo arrebatador. Assim como Andra Day, Diana Ross ganhou um Globo de Ouro, mas como atriz revelação, e foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz em 1973.

Em “Estados Unidos vs Billie Holyday” Andra Day é responsável por reviver o superlativo talento de Billie Holyday e sua postura na luta contra a segregação racial. Na justiça, Holiday perdeu o embate e pagou mais caro do que devia. Na vida turbulenta que viveu desde criança, ela teve seus momentos de glórias e quedas, de paixões, de dramas.

Sua maior vitória, contudo, é sua música, eternizada nas gravações que durarão para sempre, atualizadas pelos recursos tecnológicos que surgem de tempos em tempos. É isso que nos permite o privilégio de ouvir a diva cantando “God Bless the Child”, “I Cried For You”, “All of Me” e outras preciosidades. “Strange Fruit”, como previu a própria cantora diante de seus algozes, sobreviveu intacta. Andra Day está aí para provar.

“Estados Unidos vs Billie Holiday “ está disponível na Amazon Prime.

Cotação: **** MUITO BOM

José Farid Zaine é professor, graduado em História Natural e pós-graduado em Metodologia do Ensino de Artes. É poeta, membro da Academia Limeirense de Letras e da SOLL – Sociedade Literária de Limeira; compositor e cantor, integrante do Grupo Avena, também ator e diretor teatral. Criou a Orquestra Sinfônica de Limeira e outros projetos culturais vigentes na cidade de Limeira,onde atualmente é vereador licenciado ocupando o cargo de Secretário Municipal de Cultura. Farid é cinéfilo, tendo escrito críticas de cinema para veículos de imprensa de Limeira e região há muitos anos.

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