Dalila e Said: a amizade na guerra

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

Um dia antes, o Hamas, grupo considerado terrorista, bombardeia Israel com mísseis, matando várias pessoas. Em resposta, os israelitas, que são adeptos do olho por olho, dente por dente, dão a resposta atacando a Faixa de Gaza, de maioria Palestina e Mulçumana.

Said, filho de palestinos, procura seus pais e seus irmãos, desaparecidos desde que a guerra começou. O garoto tem onze anos e nunca saiu de Gaza, que neste momento está ocupada pelo exército de Israel.

Vai andando pelas ruas esburacadas do lugar. Avista casas e prédios em ruínas, de outras guerras e da atual. Encontra com alguns amiguinhos da escola e das brincadeiras pelas ruas. Alguns, como ele, buscam encontrar os familiares; outros, felizes, contam que os encontraram e estão vivos. Outros choram porque os pais, irmãos e amigos estão mortos.

Said fica entre a montanha e Maomé. Alegra-se com os vivos, chora com os mortos e fica apreensivo com os desaparecidos, como no caso dos seus amados familiares.

Said é palestino, nasceu já sabendo que judeus e israelitas eram inimigos, que não podia se aproximar deles, mesmo não compreendendo muito o conflito entre os dois povos. Ouvia de sua vovó que nunca concordou com a separação da Palestina e o ódio entre seu povo e os judeus, que no tempo de Alá e do Deus judeu, o País era um só.

Tinha problemas, um se engalfinhava com o outro, mas não queria a morte por ser diferente, por ter fé distinta. Sua avó não entendia por que brigar por terra, se ela era de Alá e de Deus.

Por que não dividir as terras, as coisas todas. Por que não viver em paz, harmonia, respeitando as diferenças, e tolerando o máximo que pudesse?

Não gostava a vovó de morar no assentamento de Gaza. Aquilo era uma prisão, cujos carrascos eram os israelitas e seus exércitos, tanques e bombas. Vovó era sábia, inteligente, mas uma voz no deserto de palestinos, encobertos pelo ímpeto da vingança e do ódio.

Said registrava estas palavras da sua dinda, mas ficava triste ao ver os irmãos mais velhos se engajarem em exércitos da guerra e alguns morrendo por isto.

Caminhava rumo a uma antiga praça que, antes do assentamento, era frequentada por judeus, palestinos e outros. Era um lugar, onde namorados trocavam afetos, carícias, as crianças brincavam, os adultos conversavam sobre tudo e os idosos tomavam uma fresca.

Lá viu Dalila.

Perguntava-se Said, e ao mesmo tempo olhava em volta, para saber se não havia soldados de Israel por perto. Dalila continuava livre e solta pelos escombros da pracinha, como se nada estive acontecendo.

Ela trajava um vestido branco com detalhes de azul, típico das virgens judias, ou anjas do céu. O mulçumano Said sonhava acordado, tentando desvendar aquela garota, que devia ter sua idade.

No primeiro momento, decidiu não se aproximar e se escondeu em uns arbustos, para que ela não visse. Mas não adiantou. Dalila, esperta, já tinha percebido a presença do menino. E não perdeu tempo:

– Sai de trás deste mato, garoto!

Said, ainda receoso, não saiu do lugar e nada falou. Dalila continuou:

– Eu sou judia, mas não mordo e não mato.

Dá risadinhas, tampando a boca com as mãos. O palestino continua paralisado e tremendo feito vara verde. Medo da menina ou de bombas?

Dalila continua insistindo querer falar com Said e, conforme vai expondo seus argumentos, vai se aproximando do carinha. Sem ele perceber, ela o surpreende e arremata:

– Achei o disfarçado escondido.

E sorri de novo e de novo, tampa os lábios com as mãozinhas. Said fica vermelho feito a terra, misto de vergonha e medo. Nunca conversou com uma judia, era proibido chegar perto. Alá castiga, diziam os pais e os religiosos mulçumanos.

Dalila, antes de estender as mãos para Said, fala: “Ai se meu pai general do Exército me vê aqui falando com um garoto de Alá?” Said cria coragem e pergunta: “Ele te castiga?”. “Muito”, diz a garota. “Mas você o está desobedecendo? Não pode falar comigo? Por que não?”

Diz a menina: “Eu não te odeio, só te acho meio feinho, mas interessante….rs”. Said fica vermelho de novo, magoado com o feio, mas lisonjeado com o interessante.

Aos poucos, o árabe foi se soltando e estendeu às mãos a menina que, com um belo sorriso, o puxou para fora do arbusto. No começo, o medo de Said foi dando lugar a timidez e pouco falava com Dalila, que conta toda a sua História. Que, igualmente ao menino, Dalila tinha no avô o contraponto ao conflito entre Israel e Palestina.

Said se encoraja e fala da Avó e de sua ojeriza pela guerra e que está a procura de sua família, desaparecida desde sábado, dia do início da guerra.

A conversa se dá por bom tempo. Eles continuam de mãos dadas.  O negro Said e a branca Dalila. Para os dois, é como se nada ou nunca aconteceu naquelas terras.

Não há ódio entre eles. O afeto e o carinho vão se emponderando deles. Até que Dalila toma a iniciativa: “Vamos juntos procurar sua família”.

E assim saíram por Gaza de mãos dadas.

PS: Este é um texto de ficção, mas é também um desejo que o espírito das crianças possa influenciar os adultos e que a paz possa ser consolidada entre Israel e a Palestina.

PS 2: Este escrevente defende a criação do Estado Palestino como o início de um tratado de Paz.

PS 3: Este escrevente repudia os ataques terroristas, tanto do Hamas como do Estado de Israel.

PS 4: Este texto foi feito por ocasião do Dia das Crianças comemorado nesta quinta-feira (12/10).

A todas e a todos, um bom fim de semana.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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