Reconhecimento pessoal e fotográfico – um problema social

por Ângela Souza
Habitualmente nos deparamos com algumas expressões utilizadas pelo senso comum, com os seguintes dizeres: “bandido bom é bandido morto”, “direitos humanos para humanos direitos”, “se fosse boa pessoa não estaria preso”, “se o policial parou é por que aí tem”, dentre outras tantas inúmeras frases.

Acontece que os estudos científicos e suas respectivas estatísticas demonstram que nem todos que são presos tanto provisoriamente, quanto definitivamente, advindo de uma sentença condenatória, são de fato culpados.

Neste sentido, vale destacar Projeto Inocência Brasil (O Innocence Project Brasil), associação sem fins lucrativos, criada em dezembro de 2016, que objetiva: reverter condenações de inocentes no pais; provocar debates sobre as causas desse fenômeno, bem como propor soluções para prevenir sua ocorrência.
Uma das abordagens do projeto é: o reconhecimento pessoal e o poder judiciário no Brasil.

Abaixo segue um trecho sobre a problemática das condenações baseadas em reconhecimento pessoal e sua abordagem na psicologia, chamado de psicologia do testemunho:

De maneira geral, é comum que seja conferida credibilidade a qualquer narrativa detalhada, pois acredita-se que uma pessoa não poderia descrever em detalhes uma situação que não ocorreu ou reconhecer uma pessoa que não viu. Mais ainda, é corriqueiro o entendimento jurisprudencial de que uma testemunha ou vítima não teria interesse em reconhecer a pessoa errada e deixar o verdadeiro criminoso impune, o que torna o reconhecimento positivo uma prova praticamente incontestável. Esse raciocínio não deveria encontrar acolhida no Judiciário, pois baseia-se no senso comum e contraria todas as descobertas científicas das últimas décadas.(https://www.innocencebrasil.org/_files/ugd/800e34_dde9726b4b024c9cae0437d7c1f425bb.pdf, pág. 02)

A Psicologia do Testemunho já demonstrou que falsas memórias, porque provenientes de mecanismos inconscientes voltados a completar lacunas da memória, nada tem de intencionais e tendem a ser mais elaboradas do que memórias verdadeiras, exatamente porque mesclam realidade com elementos do imaginário(https://www.innocencebrasil.org/_files/ugd/800e34_dde9726b4b024c9cae0437d7c1f425bb.pdf, pág. 06)

O artigo na integra pode ser acessado pelo link: https://www.innocencebrasil.org/_files/ugd/800e34_dde9726b4b024c9cae0437d7c1f425bb.pdf

No dia 21 de fevereiro de 2021, há um ano atrás, em reportagem exibida pelo emissora Globo em seu programa “Fantástico”, demonstrou o quanto o reconhecimento fotográfico atualmente se faz problemático, bem como, algumas abordagens policiais.

O programa trouxe a história de pessoas inocentes que foram acusadas de crimes que não cometeram, e, um levantamento feito pelo Condege – Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos – Gerais, demonstrou que os negros são, de longe, as maiores vítimas desse tipo de erro, com 83% dos presos injustamente por reconhecimento fotográfico no Brasil são negros. (https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2021/02/21/exclusivo-83percent-dos-presos-injustamente-por-reconhecimento-fotografico-no-brasil-sao-negros.ghtml)

O “catálogo de suspeitos”, como a repórter nomeia, é o reconhecimento fotográfico de suspeitos que acabam sendo o único meio de prova para apontar um acusado.
Este reconhecimento que na maioria das vezes é o único meio de prova que manteve pessoas inocentes presas, traça o perfil de 83% de pessoas negras, pobres e jovens.

Um exemplo disso é Tiago, demonstrado na reportagem, que mesmo depois de inocentado a foto dele foi parar em uma lista de suspeitos de uma delegacia do Rio de Janeiro e até a ida ao ar da reportagem continuava sendo colocado a mostra para vítimas que vão fazer o reconhecimento fotográfico de suspeitos.

A problemática social e o racismo institucional do nosso país resulta em uma forte discriminação que leva pessoas inocentes ao cárcere e isso só acontece porque há inúmeras falhas na investigação e na composição da ação penal.

Além da dificuldade em todo processo de investigação, existe uma pressão social para que as condenações sejam de fato efetivas, buscando assim um culpado. Acontece que a falta de recursos materiais, profissionais e toda essa pressão predispõe a culpabilização de muitos inocentes por um sistema revestido de preconceitos, onde a justiça serve de mera satisfação para o senso comum, deixando o seu papel principal de lado.

Ângela Souza é advogada criminalista, militante no tribunal do júri e infância e juventude. Pós graduanda em Direito Penal e Processo Penal.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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