O Brasil do voto impresso

Por Ronei Costa Martins Silva

É dia de votação. Josué, como de costume, saiu logo cedo para cumprir sua obrigação cívica. Pegou a cédula eleitoral que lhe fora entregue no dia anterior e rumou para a escola na qual votaria.

No ano anterior o Congresso Nacional aprovou o voto impresso, como tentativa de melhor controlar o resultado da eleição. A partir de então, os votos devem acontecer via dois meios. Como complemento do voto digital, o eleitor deve confirmá-lo numa cédula impressa e rubricada pelos mesários. A nova regra eleitoral determina que a conclusão da votação se dá com o deposito da cédula de papel numa urna eleitoral física.

Naquele domingo de sol ameno Josué seguiu seu caminho, descendo os já outrora contados 137 degraus disformes e sinuosamente engendrados nas estreitas vielas da comunidade. Desceu até chegar ao asfalto. Em seguida, após alguns minutos, chegou á escola. Estando nela cumpriu a encenação exigida e previamente roteirizada em três atos: inicialmente foi identificado pelo mesário, assinou o caderno eleitoral, dirigiu-se até a urna digital, teclou os números e finalizou o primeiro ato ao inundar a sala com o familiar e icónico alarme sonoro.

Em seguida foi até o mesário, pegou uma cédula eleitoral de papel e seguiu para a cabine de votação. Na intimidade da cabine, exalando certa tensão, colocou a cédula eleitoral no mesmo bolso do qual retirou em seguida a outra cédula previamente preenchida e entregue a ele pela milícia. Tentando conter o nervosismo, depositou a cédula da milícia na urna, encerrando o segundo ato.

O nosso amigo eleitor intimidado pela imposição do voto impresso e temendo sofrer algum tipo de represália não quis correr riscos ao digitar seu candidato na urna eletrônica, de tal modo que escolheu digitar os mesmos números indicados da cédula de papel que fora, dias antes, falsificada, rubricada e preenchida com o número do candidato predileto deles.

Por fim, seguindo o roteiro imposto, Josué levou a cédula em branco, oferecida pelo mesário e a entregou à milícia. A papeleta virgem fora o comprovante de que ele teria atendido o comando dos milicianos e, com o fecho do terceiro ato, garantido a integridade de si e de sua família.

Após a aprovação do voto impresso, as milícias, espalhadas e articuladas pelo Brasil, montaram um grande esquema de captura e controle da vontade do eleitor. Tal estratagema envolveu a coação de mesários e fiscais, um eficiente sistema de falsificação de células, o sequestro de urnas físicas e a adulteração de seus conteúdos. Tudo para impor, por meio da força bélica, um certo controle das eleições.

Desde então, graças ao voto em papel, Josué e outros milhões tiveram suas vontades capturadas e controladas.

Ronei Costa Martins Silva é arquiteto e urbanista e pós graduado em arquitetura e arte sacra. Possui diversas obras de arquitetura sacra espalhadas por São Paulo e outros três estados. Em 2018 foi convidado para presentear o Papa Francisco com uma obra sua, a Cruz da Esperança. Possui onze obras de arquitetura selecionadas para Mostras Nacionais, sendo duas em 2017 e nove em 2019. Também é pesquisador da máscara do palhaço há 22 anos, tendo atuado em hospitais, presídios e outros espaços de vulnerabilidade social. É pai do Benício.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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