Por Edmar Silva
Desde o início do ano de 2020 o Brasil vem enfrentando e combatendo a pandemia do coronavírus (Covid-19), que arrasou não só o país, mas todo o mundo e criou um novo modo de vida, com restrição de inúmeras atividades, haja vista a necessidade de redução do contato pessoal para amenizar a disseminação da doença.
Por isso, já houve muita discussão sobre a abertura e fechamento de alguns setores da economia, escolas, igrejas, salões e templos religiosos de qualquer natureza, dentre outros estabelecimentos que, via de regra, geram aglomerações de pessoas, como é o caso, por exemplo, das academias.
Atualmente, o Estado de São Paulo está na fase amarela do denominado Plano São Paulo de combate ao coronavírus, fase esta que permite a abertura da maior parte dos estabelecimentos comerciais, embora com redução de horário e restrição de público.
Porém, com receio de retorno ao estado mais grave da pandemia e consequente fechamento de alguns setores, algumas cidades cogitam a edição de leis impedindo que igrejas, templos ou salões religiosos e academias, em época de pandemia, sejam totalmente fechadas, classificando-as como atividades essenciais.
Surgem, assim, dúvidas se as igrejas, salões ou templos religiosos de qualquer natureza e as academias realmente são serviços essenciais, bem como se os municípios têm competência para legislar sobre os referidos temas.
E as respostas são negativas.
Para simplificar o entendimento da questão, é preciso partir da premissa de que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que a competência para legislar sobre medidas relativas ao combate à pandemia do coronavírus é concorrente (conjunta) entre a União e os governos estaduais.
Vale frisar que os municípios não estão inseridos no âmbito da competência legislativa concorrente, cabendo-lhes apenas o exercício da competência chamada de suplementar, conforme decidido pelo STF na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 672/DF, com fundamento no art. 24, inciso XII, in fine, da Constituição Federal.
Ou seja, os municípios podem tão somente completar o que porventura vier a faltar na legislação estadual ou federal, e desde que haja interesse local sobre a matéria. Ademais, nesse tocante, as normas municipais não podem contrariar as disposições estaduais ou federais, exceto se for para conferir uma maior proteção ao bem jurídico tutelado, que no caso é a saúde pública.
E tanto na esfera federal quanto no âmbito do Governo do Estado de São Paulo já há previsão do que deve ser considerado como atividade essencial em época de pandemia, não cabendo aos municípios a edição de lei própria nesse mesmo sentido, pois, como já dito, eles não têm competência concorrente.
Além dessa questão técnica, não se pode concordar com a ideia de que as academias e o exercício da religião sejam atividades essenciais propriamente ditas, sobretudo porque podem ser realizadas de outras formas que não a presencial ou em grupo.
São essenciais, por exemplo, os estabelecimentos que comercializam alimentos e remédios, os hospitais e outros do mesmo gênero, sem os quais a vida humana realmente fica comprometida ou gravemente prejudicada no aspecto da qualidade.
Ademais, existem inúmeras outras maneiras de realizar exercícios corporais e fazer orações ou cultos sem a reunião presencial de fiéis em um mesmo espaço físico. A Internet é um excelente exemplo de ferramenta que pode muito bem suprir essa necessidade de movimentação corporal ou de orientação espiritual. Ainda, os exercícios podem ser praticados ao ar livre e individualmente.
Não se pretende aqui negar a relevância dessas atividades para o bem-estar pessoal. No entanto, analisando os seus custos e benefícios sociais em face do surto de Covid-19 ora enfrentado, bem como em razão da existência de medidas alternativas seguras e eficazes, é possível concluir que tanto a prática esportiva feita em academias quanto as preces e orações em igrejas, salões e templos de qualquer natureza, quando realizadas de forma presencial e em grupo de pessoas, tornam-se coisas supérfluas em tempo de pandemia.
Então, o exercício da fé ou do corpo em igrejas e academias, respectivamente, não se trata de atividade essencial propriamente dita. Além disso, os municípios não devem editar leis impedindo o fechamento de academias, igrejas, salões e templos religiosos durante o surto do coronavírus porque não possuem a competência concorrente. Caso venham a editar leis nesse sentido e posteriormente o governo estadual ou federal imponha restrição total ao funcionamento de tais atividades, decerto a norma municipal será questionada e provavelmente será derrubada pelo Poder Judiciário.
Edmar Silva é analista jurídico do Ministério Público
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