Há racismo no Brasil, sim, senhor

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

“Somos todos iguais na humanidade, mas na sociedade, não! A sociedade é forjada pela cultura branca, eurocêntrica, tirou os negros da sua terra e os traficou para todos os lugares do mundo como escravos” (Léa Garcia)

2002: A Câmara Municipal de Limeira, na época localizada em um prédio alugado na Rua Dr. Trajano, atrás da Catedral de Nossa Senhora das Dores, estava totalmente lotada naquela segunda feira à noite. Dia de sessão dos vereadores, o motivo de tanta gente no plenário da casa era a votação de projeto de lei que instituía na cidade o Dia Municipal da Consciência Negra.

Presença de lideranças populares como Padre Mauricio Ferreira, da Paróquia de Santa Luzia, Galdino Clemente e outros que defendiam a aprovação da propositura. Mas a Casa recebia também empresários contrários à lei por determinar um feriado. Reunião tensa, discursos tensos, mas no final os movimentos antirracistas vencem com a aprovação pelos vereadores do feriado de 20 de Novembro, dia da morte do libertário Zumbi dos Palmares.

Apesar de protestos e ações judiciais para revogar a lei, ela vigora até hoje. Foi uma das primeiras leis municipais no País sobre o dia da Consciência Negra.

2021: o operário Luis Carlos, como faz toda sexta feira, em especial quando sai o pagamento, passou no Supermercado Assaí para comprar carne para o final de semana com a família. Como todo trabalhador, antes de comprar um produto, há necessidade de pesquisar preço da mercadoria e ver se é compatível com suas condições financeiras.

Luís não gostou e nada levou do mercado localizado em Limeira. Ao sair, foi abordado por seguranças da empresa, que forçam a suspeita de que o operário teria furtado algo da loja. Tentam encaminhá-lo para uma sala às escondidas dos demais clientes e o fazem ficar só de cuecas.

Seu Luís Carlos, como é conhecido na cidade, é negro, pobre e trabalha de sol a sol para sustentar sua família. O supermercado nega a prática de racismo, mas não há como negar o comportamento violento, injusto e ilegal.

Buscamos fazer um paralelo sobre dois fatos ocorridos em minha cidade para ensaiar a afirmação de que, mais do que nunca, é preciso buscar trabalhar a consciência antirracista e de igualdade das pessoas. Mais uma vez, é importante salientar que mesmo que alguns setores, em especial das elites e até intelectuais, tentam teorizar que somos uma democracia racial, a realidade e a História mostram que ainda vivemos na Casa Grande & Senzala.

O País tem uma dívida com o povo negro e com a África Negra. Esta divida não é só moral, nem cultural, ela é econômica, e cresce a cada gesto e prática racista cometida como a relatada acima com o sr. Luís Carlos e o não reconhecimento de que o dia 20 de novembro é de maior significância que várias outras datas.

O Brasil manteve por três séculos e meio a escravidão em nosso território. Foram 5 milhões de cativos, forçados a deixarem sua terra natal, a se separar de suas famílias e viver como escravos em um País estranho e hostil à sua cor de pele. Desta população, o Brasil representava 40% dos 12 milhões de escravos negros espalhados pelo mundo.

A escravidão negra não tinha propósitos apenas econômicos ou de fornecer mão de obra às colônias invadidas pelos europeus, em especial nas Américas. Um ingrediente novo surge com esta modalidade de cativeiro: o racismo. Infelizmente, a escravidão de um povo sobre o outro existe desde que o mundo é mundo. Mas as diferenças, por exemplo, das anteriores na escravidão dos povos africanos são explicados abaixo:

  1. Um povo se tornava escravo de outro, quando perdia guerras ou era invadido. Como castigo, não morriam ou ficavam presos: se tornavam escravos;
  2. Em algumas sociedades, os escravos mantinham suas profissões, ofícios e afazeres de suas terras. Há registro de escravos que exerciam politica por exemplo ou a engenharia;
  3. Já os africanos, onde boa parte deles tinham origens nobres e habilidades, nas Américas exerciam o trabalho “sujo”, pesado e era proibido manifestar sua vocação;
  4. Um escravo no Império Romano era valorizado por suas capacidades profissionais. Nas colônias europeias, os negros valiam menos que um cavalo.

Este legado é uma das heranças malditas deste século XXI.

Ao verificar dados econômicos, políticos e sociais, chegamos a conclusão que, mesmo representando a maioria da população brasileira, negras e pardos são 74% dos 10% mais pobres do País.

Se você for mais a fundo, por exemplo, nos dados do IBGE, a disparidade salarial é imensa em relação ao que ganha um trabalhador branco para um negro. E se for mulher negra, o desnível salarial é maior ainda.

Não vivemos em uma democracia racial. Vivemos na aparência deste ideal.

É preciso repactuar com a Constituição Brasileira, que garante uma sociedade onde todos devem ter acesso a cidadania e onde nenhuma forma de preconceito e discriminação podem prevalecer neste País.

Para isto, é preciso pagarmos nossa dívida com os povos descendentes dos africanos, responsáveis diretos pelas riquezas deste País.

Que no Dia de Amanhã, o da Consciência Negra, possamos refletir sobre este tema.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.