Governo nas cordas, oposição na berlinda

Por Leandro Consentino

As últimas semanas de abril e o começo de maio demonstraram claras dificuldades do governo Lula em emplacar suas primeiras medidas – além de evitar determinadas investidas oposicionistas – as quais evidenciaram a necessidade de um aperfeiçoamento da gestão da coalizão presidencial e do relacionamento com o Congresso Nacional.

A primeira derrota do governo foi a instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar eventuais ações e omissões criminosas nos atos de vandalismo de 8 de janeiro deste ano, perpetrado contra os edifícios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Apesar das claras digitais bolsonaristas na autoria dos atos, o governo não desejava a CPMI tanto pela apuração de suas eventuais omissões na segurança dos prédios como pelo atraso que ela poderia causar na agenda legislativa.

Inicialmente, a ação dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal – Arthur Lira (PP) e Rodrigo Pacheco (PSD) – conseguiu evitar a instalação da comissão, mas a divulgação de vídeos em que o Ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Gonçalves Dias, determinaram a exoneração do referido ministro e selaram a necessidade de estabelecer a Comissão. A partir de então, o governo busca agora uma contenção de danos, emplacando aliados de confiança para seus assentos na CPMI, sobretudo nas duas principais posições: a presidência e a relatoria.

Ainda que coloque seu peso nesta operação, o resultado de uma CPMI para o Planalto é imponderável e o mero fato de sua instalação já configurou a primeira derrota do governo. Tal derrota, no entanto, não foi isolada e pouco tempo depois o governo sofreu um segundo revés ao ter de desistir – ou, pelo menos, adiar – de seu projeto de lei contra as chamadas “fake news”.

O PL 2630, de autoria do senador Alessandro Vieira (PSDB) ainda em 2020, parecia ter encontrado o ponto ideal de maturação para ser votado. No entanto, o relatório do deputado Orlando Silva (PC do B), o qual adicionou diversas medidas polêmicas recentemente – tais como a imunidade de parlamentares e questões relativas a direitos autorais e controle solidário dos provedores – impactou negativamente no ambiente da sociedade e do Congresso Nacional.

O estopim de tal questão veio de uma disputa entre o governo e as “big techs” – principalmente Google e Meta – as quais opuseram-se frontalmente ao projeto e demonstraram sua insatisfação por meio de anúncios em suas páginas, além de serem acusadas de expedientes ilícitos para impedir a propaganda favorável ao projeto por alguns influenciadores digitais. Diante de tal impasse, o governo novamente buscou a contenção de danos e acionou Arthur Lira para que o projeto de lei fosse retirado de pauta, sendo tal medida comemorada pela oposição.

Nesta mesma semana, alguns dias depois, sobreveio a primeira derrota do governo em números, na Câmara dos Deputados. Depois de Lula buscar alterar o Marco do Saneamento Básico por meio de um projeto de decreto legislativo, o resultado foi bastante adverso para o Planalto: 295 votos contrários às alterações e apenas 136 votos favoráveis, sinalizando uma clara fragilidade de sua base congressual.

Ficou evidente, por exemplo, que o endosso da proposta – a qual guardava um forte caráter estatista – se deu essencialmente pelos partidos de esquerda e centro-esquerda, tais como o próprio PT, o PSOL, o PSB e o PDT. Já no campo dos partidos de centro, cujo apoio ao governo está atrelado a pastas ministeriais, o cenário se mostrou essencialmente diferente.

O MDB, o PSD e o União Brasil – cada um com três ministérios junto ao governo Lula – demonstraram um grau de infidelidade extremamente preocupante perante o Planalto. Enquanto o PSD teve 20 dos 27 e o MDB 31 dos 32 votos anotados de maneira oposta à orientação do governo, o União Brasil comportou-se como uma sigla de oposição e anotou todos os seus 48 votos contra a proposta do Executivo. Além dos próprios aliados, o governo também viu esvair o apoio de siglas do Centrão que, até pouco tempo, pareciam sinalizar um acordo. Enquanto o Progressistas de Lira votou inteiramente com seus 43 deputados para derrubar o decreto, o Republicanos também entregou 34 de seus 35 votos em oposição ao projeto de decreto.

As três derrotas seguidas acenderam uma luz amarela no Palácio do Planalto e já há um diagnóstico de que a responsabilidade de tais questões devem ser atreladas ao Ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e ao Ministro da Casa Civil, Rui Costa, ambos próceres do Partido dos Trabalhadores, os quais têm desempenhado um trabalho ruim na garantia de cargos e emendas parlamentares junto aos aliados.

Seja de quem for a responsabilidade, é importante ressaltar que, diante de tais derrotas, o governo tem evitado enviar ou pautar os projetos mais importantes como o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária, impedindo a retomada econômica do país que secundará promessas feitas na campanha eleitoral. Cabe lembrar também que, enquanto tais pautas não avançam no Congresso, o governo segue refém, por exemplo, dos juros altos que, mais uma vez, permaneceram em 13,75% ao ano, na última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central.

Porém, se o governo colheu derrotas importantes nos últimos dias, a oposição tampouco foi capaz de capitalizar este momento, sobretudo diante de avanços sobre as investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Nesta mesma semana em que o governo se viu nas cordas, uma operação da Polícia Federal levou à prisão um dos principais assessores de Bolsonaro – o tenente-coronel Mauro Cid – e determinou buscas e apreensões na residência de Bolsonaro.

Os resultados da operação da PF – que revelaram fraudes nos documentos de vacinação do ex-presidente, da ex-primeira-dama, da filha de ambos e de Mauro Cid e seus familiares, por ocasião da viagem aos Estados Unidos no final do mandato presidencial – atingiram Bolsonaro em cheio e podem abrir caminho a sanções como a inelegibilidade e até mesmo a prisão do ex-presidente.

Nesse sentido, a posição de Bolsonaro como líder da oposição pode restar comprometida e parte dos analistas já sinalizam que seu espólio pode acabar caindo nas mãos dos governadores Tarcísio de Freitas e Romeu Zema. Enquanto o primeiro sinalizou lealdade ao presidente nas entrevistas que concedeu essa semana, o segundo permaneceu calado, distanciando-se dos desdobramentos para evitar ser atingido. Certamente, a postura de ambos daqui em diante – principalmente nas eleições municipais de 2024 – pode ajudar a sinalizar qual estratégia será a mais inteligente.

Leandro Consentino é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Ciência Política pela mesma instituição. Atualmente, é professor de graduação no Insper e de pós-graduação na FESP-SP.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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