Doença laboral: reviravolta em ação de trabalhadora afastada por 10 anos

Uma ação trabalhista que teve início na 1ª Vara do Trabalho de Limeira (SP) revelou dois entendimentos diferentes e que envolvem uma trabalhadora que ficou afastada por uma década do serviço. A queda de braço na Justiça foi, principalmente, pelo reconhecimento ou não de relação entre as doenças que acometeram a mulher com as atividades desempenhadas no emprego.  O último desfecho do caso ocorreu na terça-feira (12), com a análise de recurso no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15) e os laudos periciais tiveram impacto na decisão.

A ação foi ajuizada pela trabalhadora em 2020 e ela descreveu que seu contrato de trabalho foi marcado por uma série de irregularidades. A admissão dela na empresa ocorreu em março de 2008 e, após cerca de um ano, começou a sentir dores e foi afastada por doenças como tendinopatia, ebursite e epicondilite, com sinais crônicos.

Desde a data, houve uma série de afastamentos e percepção de benefícios previdenciários, como auxílio-doença, auxílio-doença acidentária e aposentadorias por invalidez intercaladas. Ela retornou ao trabalho em março de 2020, mais de dez anos após o primeiro afastamento, e foi dispensada em junho daquele ano sem justa causa.

Na Justiça, ela requereu a condenação da empresa porque, para ela, tratava-se de doenças do trabalho e ela teria o direito a reintegração ou indenização substitutiva em dobro, por meio do reconhecimento de dispensa discriminatória. Também requereu pensão mensal vitalícia; indenização por danos materiais e morais; restabelecimento do plano de saúde, além de indenização equivalente ao que pagou pelo convênio médico após a dispensa. A empresa, por sua vez, contestou todos os apontamentos.

Quem analisou a demanda em Limeira foi a juíza Maria Flávia de Oliveira Fagundes, que sentenciou em janeiro deste ano. Para a magistrada, não houve nexo entre as doenças e o trabalho que a autora desempenhava, porque laudos médicos apontaram que, mesmo após o afastamento, o estado de saúde dela se agravou. “Mesmo após mais de uma década de afastamento, em contraposição a um ano de atividade, não houve alteração em seu estado de saúde, pois alega na inicial que ‘encontra-se novamente afastada pelas mesmas doenças que a acometeram’, conforme comunicado previdenciário anexo. Nesse sentido, outro ponto que merece consideração é o exame realizado pela autora em, 2014, ou seja, durante o período de afastamento, que constatou a existência de processo inflamatório no ombro direito. Não bastasse, os exames realizados, respectivamente, em junho de 2013 e setembro de 2015, mostram que houve aumento do espessamento da parede da bursa subacromial deltóidea, que passou de 0,33cm para 0,35 cm, ou seja, houve agravamento do problema de saúde da autora, mesmo estando afastada das atividades laborativas. A reclamante também apresentava dores em outras partes do corpo, como o tornozelo esquerdo, conforme mostra o exame realizado em março de 2011”, citou a magistrada na sentença.

A juíza se contrapôs a laudos de dois peritos – foram necessários dois porque um dos peritos faleceu durante o processo –  que tinham apontado relação entre as doenças e as atividades, e considerou improcedente essa demanda, descartando os pedidos de nulidade da dispensa, reintegração ou indenização equivalente ao período de garantia de emprego.

REVIRAVOLTA NO RECURSO

Insatisfeita, a empregada recorreu da decisão e, em segunda instância, a desembargadora Keila Nogueira Silva, relatora para o caso, teve entendimento diferente. A tese da autora no TRT-15 baseou-se no reconhecimento dos laudos periciais dos autos.

Nos dois documentos, os especialistas apontaram que o desenvolvimento das atividades exercidas foi considerado de risco por apresentar fatores biomecânicos inadequados para os membros superiores com: “abdução dos membros, movimentos repetitivos de flexão extensão”.

E justamente esses apontamentos foram levados em consideração pela relatora. “Embora o juiz não esteja adstrito ao resultado do laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos, o julgador não possui conhecimentos técnicos para avaliar pessoalmente a existência e o grau de risco no ambiente de trabalho da reclamante, razão pela qual se vale de perito especialista e imparcial”, citou em seu voto.

A desembargadora considerou, também, que no ato da contratação a empresa assinalou que a mulher estava apta para o exercício da função, ou seja, reconheceu que ela não tinha problemas de saúde antes de ingressar na empresa. “Principalmente problemas relacionados às doenças que se instalaram após um ano de labor ininterrupto para a ré. Portanto, a partir das considerações em exame, entendo que razão assiste à reclamante, eis que das conclusões dos laudos médicos periciais observa-se que as enfermidades que acometem a autora se enquadram no disposto no art. 20 da Lei 8.213/91 que conceitua acidente de trabalho [doença laboral], pois há nexo de causalidade com as atividades desempenhadas pela recorrente, como referido pelos peritos”, definiu.

CONDENAÇÃO

Foi reconhecida a estabilidade provisória da empregada, ou seja, ela apenas poderia ter sido dispensada no prazo mínimo de 12 meses após o término do benefício previdenciário. Como a demissão ocorreu antes, em junho de 2020, a empresa foi condenada a pagar todos os benefícios considerando que a demissão só poderia acontecer em, pelo menos, junho de 2021.

A empregadora deverá arcar com pagamento da indenização substitutiva relativa aos salários do período e demais direitos correspondentes ao respectivo período, como 13º salário, férias acrescidas de 1/3, depósitos de FGTS e indenização rescisória de 40%, além da retificação na Carteira Trabalho.

Também houve condenação por danos morais fixada em R$ 15 mil, pagamento de indenização material por danos emergentes para ressarcir os valores gastos com as mensalidades do convênio médico, danos materiais em valor que será definido e pagamento de indenização por danos estéticos, fixados em três vezes o último salário recebido pela autora. A empresa ainda pode recorrer.

Foto: Freepik

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