A Paixão de Jesus

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

(Sugestão: ao ler este texto, ouvir Cálice, de Chico Buarque)

O corpo negro estava lá esticado no chão com braços abertos, feito o Messias Crucificado. As primeiras pessoas ao vê-lo caído não sabiam dizer de quem se tratava. Seria um cidadão com CPF e RG ou mais um indigente morto de bêbado ou drogas.

Não passava na cabeça dos transeuntes, no entorno do hospital, que poderia se tratar de um doente contaminado com a doença do século XXI, a mais nova Gripe espanhola, porém, mais mortal que a citada do século passado. Precisou alguns minutos até a chegada da ambulância do Samu para descobrir de que se trata, o agora falecido estalado no chão.

No dia da Crucificação de Jesus de Nazaré, um outro Jesus estava sendo crucificado, diziam amigos e parentes que chegavam no hospital, para onde o corpo foi levado, porém, sem chance de vida.

O Jesus de 2021 estava desempregado faz uns dois anos, pai de três meninas – a mais velha, com dez anos, fazia bico na rua catando papel para reciclagem. Mas aí o vírus o pegou. Sentiu os sintomas, mas não disse nada a ninguém. Acreditou no presidente, que era apenas uma gripinha, era só tomar um remédio que o mito indicava que, pronto, estaria tipo corpo fechado.

Tomou. Mas não fechou nada.

Foi levando como podia e, para preservar as crianças, dormia na carroça do lado de fora de seu barraco. Mas as dores, a febre e a falta de ar aumentavam. Foi para o hospital. Lá enfrentou filas enormes e encontrou vários “Nãos”: não tem vaga na UTI, não tem leito, faltam respiradores, tubo de oxigênio, remédio, e por aí vai.

“Por que o senhor não veio antes?” Tinha que trabalhar, disse Jesus. “O que faço?”, perguntou o catador de papel. “O certo é o senhor ser internado, mas não há vagas. Então espera aqui do lado de fora”, diz a ele um dos atendentes do hospital.

Foram três dias e três noites, dormindo ao relento.

Resultado: Corpo jogado no chão.

Comentário:
Este conto não é ficcional. Ele tem sido nos últimos meses recorrente no Brasil, onde a irresponsabilidade e crueldade do governo federal tem levado nosso sistema de saúde ao colapso. São mais de 312 mil mortos, mais de 12 milhões de infectados.

Com a pandemia e a política negativista do governo e de alguns setores da sociedade, crescem a fome e a miséria. Estamos caminhando para a barbárie se as instituições democráticas não pararem o golpismo.

Jesus Cristo foi crucificado por questionar as estruturas de poder de sua época e de pregar um Reino aqui e agora, onde não haja explorados e exploradores. Passados mais de 2 mil anos, o que se vê são milhares de Jesus serem mortos em cruzes das mais diversas, em especial pobres e negros.

Isto tem que terminar.

João Geraldo Lopes Gonçalves – Janjão – é escritor, consultor político e cultural.

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.