A importância simbólica dos atos individuais de Bolsonaro


Por Ronei Costa Martins Silva

Todos nós exercemos um tipo de influência simbólica sobre as demais pessoas e elas, por sua vez, também, a seu modo, exercem sobre nós esta mesma categoria de influência, de tal modo que se poderia dizer que somos, em certa medida, o resultado destas interações simbólicas.

A palavra “símbolo” e sua flexão adjetiva “simbólico” provém do grego clássico symbállem e significa lançar (bállein) junto (syn). O sentido então é lançar as coisas de tal forma que permanecem juntas. Contraindo mais pode-se dizer que símbolo significa juntar e seu antônimo diabolo significa separar. Um símbolo, então, é tudo aquilo que une duas realidades; uma sensível, visível, outra invisível, oculta e que por isso mesmo precisa ser decifrada, por meio de chaves de leitura antecipadamente dominadas pelos interlocutores. Tais chaves de leitura são oferecidas pela cultura. Desse modo cada cultura interpreta a seu modo seus símbolos, podendo haver leituras distintas do mesmo símbolo, a depender da cultura que a interpreta. A exceção disto acontece com os símbolos universais.

Podemos então dizer que todo símbolo diz sempre algo a mais do que aquilo que se percebe de imediato. Em nossas interações sociais, seja em casa, no trabalho, na rua ou escola, impera constantemente este tipo de interação simbólica. O tempo todo estamos emitindo sinais que dizem muito mais do que o ato em si, por exemplo, um inofensivo ato pigarrear, coçando a garganta. De posse da chave de leitura, saberemos bem que tal gesto pode significar uma sutil e delicada reprimenda.

Todas as nossas interações sociais possuem uma forte carga simbólica que são lidas e interpretadas o tempo todo. Não há como escapar. Mais ainda: este tipo de interação é sempre mais intensa, forte e duradoura. Basta lembrar, por exemplo, que na maioria das vezes o tom de voz diz muito mais do que o conteúdo literal que fora expresso?

E esta importante influência simbólica aumenta na medida em que se é referência para alguém. Pois seus atos simbólicos influenciarão, num nível de pré-consciência, aqueles que possuem com ele algum tipo de vínculo. Estar num posto de liderança, portanto, requer um cuidado minucioso, pois seus atos simbólicos podem até promover a morte.

É assim com Bolsonaro. Se ele fosse um cidadão comum, o ato de transitar sem o uso da máscara, teria uma imperceptível influência simbólica apenas sobre os mais próximos. Mas sendo o presidente da república, seus atos são amplificados e impactam sobre parte considerável da nação.

Chamar a pandemia de gripezinha, promover aglomerações, criticar governadores que acertadamente impõem medidas sanitárias, colocar sob dúvidas as vacinas, sugerindo que quem for imunizado poderia sofrer graves mutações, promover o uso de medicamentos sem eficácia comprovada, não são gestos inocentes e sem consequências.  

Isto porque seus atos não simples gestos desprovidos de carga simbólica. Eles revelam algo de perverso e maldoso ao induzir a população a desrespeitar todas as medidas sanitárias que são acertadamente aplicadas nos estados e municípios.

Suas atitudes cotidianas levaram a nação a sofrer com Manaus. Seus atos inconsequentes foram os catalizadores de comportamentos igualmente inconsequentes que levaram a capital da Amazônia ao caos e que em menor medida se percebe em todo o pais com as mais de duzentas mil mortes. Seus gestos significam um pacto com a pandemia e têm um impacto fatal e mortífero sobre a nação.

Apesar de as ações ou omissões políticas de seu governo revelarem um compromisso com a morte, tendo, inclusive, demitido dois ministros da saúde que desejavam enfrentar o maior desafio sanitário da humanidade, penso que seus gestos cotidianos aparentemente inofensivos, são ainda mais letais, pois simbolizam para a nação um caminho a seguir, um caminho para o precipício, sem volta e fatal.

Bolsonaro não é o único responsável por esta tragédia que o Brasil vive, mas certamente é o maior deles.



Ronei Costa Martins Silva é arquiteto e urbanista e pós graduado em arquitetura e arte sacra. Possui diversas obras de arquitetura sacra espalhadas por São Paulo e outros três estados. Em 2018 foi convidado para presentear o Papa Francisco com uma obra sua, a Cruz da Esperança. Possui onze obras de arquitetura selecionadas para Mostras Nacionais, sendo duas em 2017 e nove em 2019.
Também é pesquisador da máscara do palhaço há 22 anos, tendo atuado em hospitais, presídios e outros espaços de vulnerabilidade social. É pai do Benício.

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