Vamos dar uma espiadinha…

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

“O Grande Irmão está de olho em você” (Frase do livro ‘1984’, de George Orwell)

A Segunda Guerra Mundial foi ápice de um monstro chamado nazismo e fascismo. Gerados ainda na década de 20 do século passado, os dois pensamentos ideológicos apontavam para uma terra dominada pelo totalitarismo e a verdade de uma raça pura.

A verdade absoluta combinada com o negativismo da história foram alicerces destes regimes, aos quais o stalinismo na União Soviética vai se juntar.

O nazifascismo e Stalin formaram um tripé de horrores que retiravam direitos de viver, cerceando liberdades de qualquer prova. Mas estas ideologias não se criaram sem fortes esquemas de propaganda e vigilância.

Goebbels, o general responsável pela propaganda nazista, sempre batia na tecla de que uma mentira, repetida diversas vezes, se torna uma verdade. A massificação de uma ideia foi um ponto comum entre as ideologias, inclusive nas democracias.

Martelar uma ideia, mesmo que ela seja uma fraude, é fundamental. Mas esta estratégia não funciona se não houver vigilância, controle sobre as pessoas que recebem a informação. George Orwell, o inglês, vai escrever uma obra que, a nosso ver, ainda está em aberto.

“1984”, lançada após o fim do maior conflito bélico da história, retrata uma sociedade totalitária e baseada no terror. Em um período distópico, a Grã-Bretanha vira Oceânica, um lugar controlado por um suposto comandante intitulado “O Grande Irmão”. Onde nossas vidas são vigiadas e controladas ao bel prazer de algozes.

O Grande Irmão nunca foi visto em pele e osso, apenas por câmeras de vídeo, espalhadas por todo o lugar deste País. Os monitores acompanham a todos no dia a dia e uma escorregada nas leis em vigor degola, na certa.

Orwell desenha as sociedades sobre a égide das ideologias totalitárias e, naquele contexto de início da Guerra Fria, seu escrito vai contribuir para uma visão de que o mal é tudo que não seja do capitalismo ou um social-democrata como ele. Mesmo combatendo e com razão o autoritarismo e as ditaduras consequentes, o livro nos aponta o pessimismo e os perigos no futuro.

O bolsonarismo e o trumpismo, só para ficar nestes exemplos, nos apresentam este perigo, do retorno do Grande Irmão, que controlam nossas vidas ao bel prazer de seus interesses. Os monitores hoje são as redes sociais, que disseminam informações fake ou não e que ditam o ritmo de nossas vidas.

As chamadas concepções de extrema-direita adoram a internet e as redes sociais. Espalhar cizânia e usar as tecnologias como fonte de espionagem são marcas registradas destes grupos. É “vero” que a privacidade nas redes é quase impossível de se ter, a não ser que nada se poste ou se restrinja acessos. Mas mesmo assim, nossas vidas ficam expostas, fuçadas e violadas e – o que é pior – com nosso consentimento.

Sem regulamentação, as redes sociais viram espaço para teorias conspiratórias e mentiras distribuídas aos borbotões. Orwell fez escola com sua obra a ponto de inspirar um campeão de audiência no mundo inteiro: o reality show.

A vida como ela é?

“A televisão matou a janela” (frase do livro ‘A Vida como ela é’, de Nelson Rodrigues)

Outro dia, conversando com um amigo pernambucano que mora em Limeira há alguns anos, ele me dizia das saudades que têm de sua terra. Uma delas era a convivência com os vizinhos. Ele os conhecia pelo nome, bem como costumes e comportamentos. E isto era simples.

Toda tarde e noite era de lei puxar a cadeira para as calçadas e ali conversar sobre tudo com os moradores da rua, do bairro e das adjacências. Quando veio ao Sudeste, encontrou casa fechadas o tempo todo e os hábitos de convivência se resumem ao um “oi” esporádico, um tchau bem apressado.

Meu amigo sente falta do cheiro das pessoas que dormem ao seu redor, dos gritos e risos das crianças jogando bola, esconde-esconde, amarelinha. Sente falta das fofocas, do “diz-que-me-diz”, do “fala aí” sobre o fulano, a sicrana, ou mesmo como você passou o dia. Na verdade, o nordestino carece de interagir com a realidade, conhecer gente, gostar ou desgostar.

Nelson Rodrigues, o escritor das tragédias humanas, nos deixou uma obra vasta como “A vida como ela é”. Os contos foram escritos entre 1950 a 1961, no jornal “Última Hora”. Nelson já era consagrado pelo sucesso da peça “Vestido de Noiva” e o proprietário do jornal, Samuel Wainer, queria que o escritor escrevesse sobre o cotidiano das pessoas. E aí surgiram textos brilhantes, sobre adultério, ódios, amores, ciúme, corrupção, preconceitos.

Nelson Rodrigues nunca escondeu sua inclinação a direita. Porém, mesmo seu conservadorismo, ao escrever denotava sinais de questionamentos a uma classe média e alta, hipócrita e cínica. “A vida como ela é” se tornou livro, radionovela, fotonovela e uma série veiculada pela Rede Globo.

“A dama da lotação”, um dos clássicos da obra, foi para as telonas se tornar um grande sucesso. Nelson Rodrigues e George Orwell vão compor os reality shows do século XXI, onde o de maior êxito é o Big Brother Brasil.

Vamos dar uma espiada?

Se pudesse escolher
Entre o bem e o mal
Ser ou não ser
Se querer é poder
Tem que ir até o final
Se quiser vencer
”. (Trecho da canção ‘Vida Real’, trilha do Big Brother Brasil)

A concepção de reality show é recorrente do final dos anos 90 e de todo século XX. Criado pelo holandês John Mol, o Big Brother, em 1999, foi transmitido nos Países Baixos. Baseado na obra de George Orwell já citada aqui, consistia em colocar, em uma casa, pessoas que nunca se viram, não se conheciam.

A ideia era transpor para o programa a vida real, com emoções de raiva, afeto, agressividade e serenidade. Colocar no balaio o certo e o errado, o bem e o mal. Tudo isto registrado pelas câmeras da TV vinte quatro horas por dia.

A partir daí, a fórmula foi exportada para o mundo todo, inclusive no Brasil. Aqui os dois primeiros sucessos foram a Casa dos Artistas no SBT, de 2001 a 2004, e No Limite, da TV Globo, em 2000 e recentemente.

Há dezenas de reality no ar, seja na TV aberta, a cabo ou na internet. Há quem diga que tanto na Europa quanto nos Estados Unidos o interesse por estes programas já decaiu muito. No Brasil e em alguns países da América Latina, eles fazem enorme sucesso, em especial o BBB da Globo.

Sempre tive resistências a estes programas, acho chulo e repleto de concepções que matavam e destruíam valores humanos. Mas por incrível que pareça, a edição 24 do BBB me fez ficar colado na telinha, não só eu como o Brasil todo. O Big Brother nunca foi um entretenimento apenas.

Estamos falando das organizações Globo, grupo que tudo o que faz tem caráter de influência no telespectador. Se compararmos com os anteriores, pelo menos de 2000 para cá, a edição 24 foi disparada a melhor. Vou falar especificamente da deste ano, mas na semana que vem. Por enquanto posso adiantar:

  • O perfil de patricinhas e mauricinhos muda com a participação de pessoas do povo, como motoboy, motorista de aplicativo, sacoleira do Brás, trancista, confeiteira, capoeirista, professor e outros;
  • A cultura regional de cada lugar teve espaço privilegiado;
  • Temas como racismo, misoginia, xenofobia, homofobia e classes sociais enterraram a nudez desnecessária e o sexo como primordial para permanência na casa.
  • O estereótipo “corpo violão” e “bombado” deu lugar a corpos bonitos também, mas próximos das periferias e rincões deste país;

A Globo, politicamente, vai defender interesses corporativos, como sempre fez. Mas ela sabe se adaptar a novos cenários que se colocam. Quando temas como os que referimos aqui exigem debates profundos para superar e enterrar de vez as discriminações, a Rede Globo não faz o caminho contrario, abre a conversa.

Não é a toa que o vencedor do BBB 24 foi um negro, jovem, nordestino, um perfil que morre neste País só por sua raça e classe social.

Dica cultural

Conheci o grupo Berimbantos em um vídeo do show que fizeram na antiga Casa da Esquina, em Limeira (SP). Gostei de cara do grupo que trazia canções com arranjos de capoeira angola e outros ritmos regionais e folclóricos para obras inclusive contemporâneas.

Depois de um tempinho sem nos brindar com sua sonoridade, o grupo que tem de berimbau a guitarra elétrica está de volta. Eles se apresentam no próximo dia 26 de abril com o show “Histórias Contadas e Cantadas”.

Será no Centro Cultural Profissionalizante de Artes Integradas, na Rua Manoel Toledo Arruda, 276, Jd. Nova Europa, em Limeira. Entrada 1 quilo de alimentos não perecíveis. Participações especiais do violeiro João Lejambre e de Mauricio Venâncio.

Bom final de semana a todas e a todos.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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