Testamento de emergência: a necessidade da alteração do artigo 1.879 na reforma do Código Civil

por Laura Souza Lima e Brito

O Código Civil, na sua redação original, contempla uma espécie sui generis de testamento, pensada para situações excepcionais em que o testador se vê compelido a manifestar sua última vontade, mas impedido de fazê-lo pelas vias ordinárias.

O testamento de emergência é previsto no artigo 1.879, nos seguintes termos: “Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.”

Ao longo dos primeiros dezessete anos do Código, pouco se falou do testamento de emergência, salvo alguns comentários em textos sobre testamentos em geral. Na jurisprudência, houve alguma discussão sobre se testamentos particulares sem testemunha poderiam ser cumpridos como se de emergência fossem, o que não era acolhido.

Ocorre que a pandemia jogou holofote sobre essa espécie testamentária: pessoas receosas do desfecho de uma contaminação que, justamente por terem contraído uma doença altamente contagiosa, não poderiam estar na presença de testemunhas.

Com isso, viu-se que não só essa espécie merecia adequada interpretação, como era de grande relevância prática. Não só nesse contexto extremo, mas para quem estava em situações excepcionais de internação ou agravamento de quadros de saúde.

O que se observou foi que a redação do artigo 1.879 e, especialmente, sua localização na seção do testamento particular traziam dúvidas sobre sua correta interpretação. Análise bem detida sobre as suas especificidades foi feita pela autora, em coautoria com o Prof. Edgard Audomar Marx Neto, no artigo Testamento de emergência e a pandemia da Covid-19, publicado no volume 25 da Revista de Direito Civil Contemporâneo.

Por isso, por ocasião da reforma de vinte anos de vigência do Código Civil, vale propor alteração do mencionado dispositivo, o que foi sugerido nas propostas encaminhadas pelos professores de Minas Gerais à Comissão de Direito das Sucessões na reforma.

Sugestão de redação para o artigo 1.879 do Código Civil

Primeiramente, no que concerne à localização do artigo no Código Civil, entende-se que não é viável o seu deslocamento para o capítulo dos testamentos especiais, seja pela numeração dos artigos, seja pela provável extirpação do mencionado capítulo com a reforma do Código.

Contudo, merece que fique claro que o testamento de emergência não é um testamento particular com menos formalidades. Explica-se. Não existe hierarquia entre as espécies testamentárias ordinárias – cumpridas as formalidades de cada tipo, o testamento pode ser eficaz. Ao contrário, o testamento de emergência é precário.

Em segundo lugar, contrariando a tendência de simplificação e virtualização de negócios jurídicos e do próprio testamento, o testamento de emergência carece da forma escrita para que, já que sem testemunhas, seja possível a observação da letra do testador e, se necessária, prova pericial grafotécnica.

Ainda é preciso excluir a expressão “a critério do juiz”. Isso porque parece que esse testamento, mesmo cumprindo as suas especificidades, poderá não ser cumprido sem fundamento para tanto. É evidente que caberá ao Juiz a verificação do cumprimento dos preceitos legais, dentre eles as circunstâncias excepcionais que deverão estar declaradas na cédula. Todo testamento passa por um procedimento para registro e cumprimento. Não bastasse, acredita-se que, com a reforma, esse procedimento não será mais necessariamente judicial.

Por fim, é preciso que fique expresso que o testamento de emergência caduca em noventa dias depois do término da situação excepcional que o justificou.

Por isso, a sugestão de redação é:

Artigo 1.879. Em circunstâncias excepcionais declaradas na cédula, o testamento de emergência, que deverá ser escrito de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado.

Parágrafo único. Caducará o testamento de emergência, se o testador não morrer sob as circunstâncias excepcionais que o justificaram, nem o confirmar sob uma das formas ordinárias nos noventa dias subsequentes ao término do contexto em que foi elaborado.

Laura Souza Lima e Brito é doutora e mestre em Direito pela USP e graduada em Direito pela UFMG. É advogada especializada em Direito de Família e das Sucessões, fundadora do Laura Brito Advocacia.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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