Ponto errado em sentença provoca reviravolta após 10 anos em processo de Limeira

Quando alguém fala ou posta que uma vírgula ou um ponto faz toda a diferença, acredite! Não é mero capricho o uso correto da gramática. Um ponto, ou a falta dele, pode mudar todo o sentido de uma expressão ou de uma sentença, como é o caso que o DJ mostra agora.

O caso é bastante complexo, mas vamos aqui por partes.

Em 2012, um limeirense indignou-se com a cobrança equivocada de uma instituição bancária no valor de R$ 29.659,84. Não é um valor nada insignificante para ficar por isso mesmo e nem passar batido no histórico da conta bancária. Ele, então, constituiu um advogado e recorreu ao Judiciário.

Foi movida uma ação de inexistência de débito com pedido de indenização por danos morais. Além da restituição dobrada da quantia, ele pediu indenização por dano moral em cem vezes o valor indevidamente cobrado. Não foi o que a Justiça de Limeira autorizou, mas sentenciou o banco à devolução em dobro do que foi cobrado indevidamente “R$ 2.960,78” e indenização por dano moral no valor de R$ 5 mil.

Repararam no valor entre aspas? Em vez de R$ 29.659,84, que foi o valor indevidamente cobrado pelo banco, estava na sentença: R$ 2.960,78. O ponto veio antes do 9 e mudou tudo.

O banco não reclamou, mas ainda assim recorreu da sentença ao Tribunal de Justiça para deixar de pagar a indenização por dano moral. Não mencionou a devolução do valor cobrado indevidamente em dobro. O recurso foi rejeitado e parecia que ficaria nisto com o trânsito em julgado.

Da parte do limeirense, cabia, por meio da defesa, o chamado embargos de declaração, que é quando é possível apontar ao juiz eventual erro ou esclarecimento na sentença. Isto não aconteceu.

Foi então que o processo voltou para Limeira para execução da sentença. Aí, sim, foi identificado o erro material: o ponto antes do 9. Em novas manifestações, o limeirense voltou a apontar o erro. Como o banco já havia depositado o valor nos termos da sentença, o cumprimento foi extinto em março de 2016.

Em julho de 2019, o limeirense então com outra defesa à frente, moveu ação indenizatória contra o advogado que lhe assistia no processo de origem, dentre outras coisas, responsabilizando-o pelo prejuízo da diferença entre o valor recebido e o efetivamente devido, em razão de não ter obtido êxito em resolver o erro material na sentença.

Esta ação contra o advogado foi julgada parcialmente procedente. Já o pedido referente ao prejuízo decorrente do erro material foi rejeitado, sob o fundamento de que erro material não transita em julgado, e a questão poderia ser objeto de apreciação no processo original na fase de cumprimento de sentença.

O limeirense, desta vez por meio do advogado Dante Gianotto, do escritório Gianotto Sociedade de Advogados, ajuizou o cumprimento de sentença de origem, buscando o recebimento da diferença entre o valor recebido e o que seria devido não fosse o erro material.

Aí, sim, o banco opôs impugnação ao cumprimento de sentença alegando, basicamente, que a questão estava preclusa. A impugnação do banco foi rejeitada porque o juiz de Limeira reconheceu a existência de erro material na sentença e fixou como base de cálculo do débito a quantia de R$ 29.659,84, com incidência de juros de mora somente a partir da intimação para pagamento do valor correto, bem como determinou a reabertura de prazo para pagamento voluntário.

O que foi a julgamento no último dia 6 pela 12ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo foi se o computo dos juros se daria a partir da intimação para pagamento do valor ou a partir da citação do processo, que foi lá atrás, há 10 anos.

O limeirense apontou litigância de má-fé do banco, “pois tinha plena ciência do erro material, mas preferiu aproveitar-se dele”.

Os julgadores entenderam que o recurso do limeirense merece provimento parcial, e o do do banco improvimento. Eles ressaltaram o respeito ao entendimento do juiz local, mas reformaram no tocante ao início da cobrança dos juros, que deve ser a partir da citação, lá atrás, há 10 anos.

“A relação entre as partes é contratual e a fixação do termo inicial encontra amparo no art. 405 do Código Civil (Contam-se os juros de mora desde a citação inicial) e no art. 240 do Código de Processo Civil (A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 [Código Civil])”, diz trecho do acórdão. Foi considerada razoável a reabertura do prazo para pagamento voluntário e, por ora, foi afastada a multa e honorários advocatícios.

Agora, o valor devido ao limeirense é de R$ 214.250,54.

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