Os livros venceram as armas

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

“Ler é fazer revolução” – Ziraldo

As eleições de 2022 protagonizaram, sem dúvida nenhuma, dois modelos de sociedade, distintos e antagônicos para o Brasil. Dois modelos que não se misturam, por tão contraditórios entre si que se apresentam. Duas formas de enxergar o País e como projetar o futuro. Até então, as eleições anteriores apresentavam diferenças entre os candidatos, mas, do ponto de vista programático, estas divergências eram pontuais, não colocavam em risco o Estado Democrático de Direito.

Desde 1994, PT e PSDB travaram disputas politicas no campo das ideias, as concepções de gestão e de como viam o desenvolvimento no País. Nunca estas duas agremiações se enfrentaram colocando na pauta o ódio, o preconceito, como bandeiras “politicas”. Pelo contrário. Todas as ações de um ou outro foram dentro da Constituição Federal, à luz de seus princípios fundamentais.

A guerra ideológica deste ano provocou fatos inéditos nunca vista na História, como o uso indiscriminado e descarado da máquina pública, consistindo em diversos crimes de responsabilidade fiscal e política, por conta de Bolsonaro e seu grupo.

O jornalista Ricardo Noblat, ao longo deste processo eleitoral, não deixou de frisar que 2022 dava a presença da maior roubalheira e uso indevido do dinheiro e do patrimônio público de um presidente. O programa da Rede Globo “Profissão Repórter” mostra, em uma de suas edições, a prática nefasta do assédio eleitoral sobre famílias beneficiadas pelo Auxilio Brasil, por meio de falas que remetem ao terrorismo e ao medo.

Não foram poucas as denúncias recebidas pelo Ministério Público do Trabalho em relação ao assédio para que trabalhadores votassem no governo e não em Lula, na maioria das reclamações. Desde o discurso de que a empresa fecharia ou os trabalhadores seriam demitidos, até churrasco e outras benesses, inclusive não permitidas por lei. Muitos desses assediadores foram punidos, mas ainda há muita suspeita e denúncias a serem apuradas.

O assédio não foi a única forma de pressão. As famosas fake news vieram com força total.

Inauguradas como forma de fazer campanha pelo bolsonarismo em 2018, as fake disseminam informações que fazem as pessoas não checarem a informação. O recurso digital do compartilhamento é constantemente incentivado e as mensagens não são enviadas individualmente, mas em massa.

Tal situação tem criado uma cultura perigosa para o convívio das pessoas em um ambiente onde deveríamos ter o respeito e a ética como bandeiras fundamentais para uma sociedade justa e igualitária: a cultura da verdade absoluta ou da mentira repetida diversas vezes, como faziam a maquina de propaganda do nazifascismo. Repetir em massa a mesma frase, a mesma notícia, impede que as pessoas desconfiem de sua veracidade e enveredam a defender a propositura como correta e verdadeira.

Uma das maiores Fake News desta eleição foi sobre as urnas eletrônicas. Desde 1994, o sistema do voto eletrônico é realizado no Brasil. Em nenhum dos pleitos eleitorais se verificaram erros ou fraudes nos resultados do processo. Ao contrário, a agilidade e a segurança são fantásticas. Em menos de quatro horas se apura uma eleição com mais de 150 milhões de voto. Não há perigo de desrespeito a vontade popular. Ao votar digitalmente, a lisura está garantida.

O delírio bolsonarista e a ideia sofrível de voto impresso consistiam mais uma vez em uma tentativa de desconsiderar e deslegitimar o processo democrático brasileiro. As urnas eletrônicas são elogiáveis no mundo todo, como um método eficiente de coleta e de apuração dos votos.

Outro ponto, significativo deste processo, foram as constantes decisões de “benesses”, como o Auxilio Brasil e o preço dos combustíveis. Ilegalmente, o governo e o Congresso aprovaram medidas populistas com data para terminar, que será, no caso do auxílio, 31 de dezembro, e da gasolina que já aumentou, ficando claro que as intenções eram vencer as eleições. Estas medidas eram fundamentais, inclusive, para convencer os mais pobres.

Por último, o discurso da violência e de armar a população. Tal situação criou um clima de instabilidade física e emocional das pessoas. Assassinatos ocorreram por motivações políticas. Pessoas foram espancadas e ameaças de morte por portarem um adesivo de adversários ou utilizar camisetas de cor vermelha.

Os episódios do ex-deputado Roberto Jefferson e da deputada federal Carla Zambelli mostram que esta politica da violência era um modo de se pensar a sociedade.

Não tocamos na tentativa de uma Guerra Santa, onde as instituições religiosas tiveram um papel determinante no processo. Não toquei, pois, quero trabalhar na próxima semana o tema da relação Política e Religião que merece destaque.

Estes pontos e a consequente narrativa de golpe institucional ficaram claras nesta semana pelas manifestações ilegais de fechamento das estradas pelos bolsonaristas, que ao não aceitarem a vitória legitima de Lula clamaram pela ruptura capitaneada pelas Forças Armadas.

Este modelo de se fazer campanha deixa claro o modelo de sociedade, que virou as costas para as vitimas do Covid-19 e que promoveu o retorno do Brasil ao mapa da fome. Já o modelo vencedor nos colocou um desafio exatamente importante ao qual pretendo aprofundar em breve neste espaço.

O que estava em jogo não era a volta das esquerdas e do PT ao governo. O que se disputou e se pautou foi a garantia da democracia e dos direitos que ela proporciona. Tal discurso contrasta 100% do de Bolsonaro, que aponta lemas que favorecem nichos e não a totalidade dos Brasileiros.

Nesta primeira semana pós-vitória, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva deu sinais de que seu governo não será o do PT, mas de um conjunto de forças democráticas que representam o espírito do Estado Democrático.

Por isto, este escrevinhador defende que o novo governo deve avançar programaticamente, propondo reformas profundas na estrutura da sociedade brasileira, promovendo o desenvolvimento com justiça social.

E para finalizar, como temos feito toda a semana, a letra de uma canção, composta por Ivan Lins e Victor Martins em 1979, onde os mesmos clamavam por um Novo Tempo, já prevendo o fim da ditadura e a volta da democracia.

A todas e a todos, um belo e feliz fim de Semana.

Novo tempo

No novo tempo
Apesar dos castigos
Estamos crescidos
Estamos atentos
Estamos mais vivos

Pra nos socorrer
Pra nos socorrer
Pra nos socorrer

No novo tempo
Apesar dos perigos
Da força mais bruta
Da noite que assusta
Estamos na luta

Pra sobreviver
Pra sobreviver
Pra sobreviver

Pra que nossa esperança
Seja mais que vingança
Seja sempre um caminho
Que se deixa de herança

No novo tempo
Apesar dos castigos
De toda fadiga
De toda injustiça
Estamos na briga

Pra nos socorrer
Pra nos socorrer
Pra nos socorrer

No novo tempo
Apesar dos perigos
De todos pecados
De todos enganos
Estamos marcados

Pra sobreviver
Pra sobreviver
Pra sobreviver

Pra que nossa esperança
Seja mais que a vingança
Seja sempre um caminho
Que se deixa de herança

No novo tempo
Apesar dos castigos
Estamos em cena
Estamos na rua
Quebrando as algemas

Pra nos socorrer
Pra nos socorrer
Pra nos socorrer

No novo tempo
Apesar dos perigos
A gente se encontra
Cantando na praça
Fazendo pirraça

Pra sobreviver
Pra sobreviver
Pra sobreviver

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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