O impacto da alta do IGPM/FGV nos contratos e a intervenção do Poder Judiciário

Por Guilherme Guimarães Roos

Desde o primeiro semestre do ano de 2020, o mundo sofre com os efeitos da pandemia do novo Coronavírus. A crise instalada não apenas no setor da saúde, como também com grande impacto sob o setor de consumo e nas mais diversas relações comerciais, levou a uma crescente busca na repactuação de contratos, principalmente no que tange a prazos, parcelas, índices e refinanciamentos.

Com isso, o IGP-M/FGV, comum indexador de valores em contratos, tornou-se, por conta da sua alta no último ano, o grande vilão para quem busca cumprir com suas obrigações contratuais, mas assusta-se ao deparar-se com um índice que, conforme informação da Fundação Getúlio Vargas , acumula alta de 15,08% no ano e de 35,75% nos últimos 12 meses.

Por conta da alta do IGP-M no último ano, as partes vêm buscando negociações para chegar a um índice ou percentual adequado para o reajuste dos seus contratos. Todavia, com as tentativas inexitosas de ajustes de índices e ou readequação de valores através de aditivos ou acordos extrajudiciais, está se tornando comum, com fundamento na teoria da imprevisão, na onerosidade excessiva e também na existência de caso fortuito ou força maior, a busca de intervenção do Poder Judiciário.

Os fundamentos jurídicos, geralmente utilizados na busca de revisão de índice e substituição do IGP-M, são a Teoria da Imprevisão, onde há a necessidade de comprovação de que alta do IGP-M à época da assinatura do contrato era um evento imprevisível, e a Onerosidade Excessiva, onde pode-se buscar a resolução do contrato ou a modificação dos seus termos com base na existência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, diante de seu caráter superveniente.

Em alguns casos, baseando-se nas cláusulas contratuais, as partes alegam a existência de caso fortuito ou força maior, visando a readequação dos termos de seus contratos através da substituição de índices de correção. Contudo, no caso da pandemia, por exemplo, há a necessidade de demonstração de que seus efeitos impactaram diretamente o poder financeiro da parte, a impedindo de cumprir com a obrigação que lhe incumbia.

Ainda não há entendimento jurisprudencial pacífico sobre a substituição de índices de reajustes previstos em contratos. Há decisões que acolhem a alteração do índice, como no Agravo de Instrumento nº 2012910-93.2021.8.26.0000, julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP), onde foi deferido o pedido de tutela de urgência para, temporariamente, autorizar a substituição de IGP-M para IPC-A, por conta dos efeitos negativos gerados pela pandemia e pela “forte alta” do IGP-M no ano de 2020.

Por outro lado, demonstrando entendimento diverso, há a decisão prolatada no Agravo de Instrumento sob nº 2003888-11.2021.8.26.0000, também julgado pelo TJ/SP, onde houve o indeferimento de pedidos de tutela para substituição liminar do índice de reajuste, sob a égide de que tal decisão dependeria da análise do caso concreto e precisa ser tomada após a instrução processual.

Com isso, a tendência é de que haja nos próximos meses, com a evolução de mais ações que versem sobre o tema, uma indicação mais concreta na jurisprudência dos Tribunais quanto ao mérito dessas questões, pois, em geral, as substituições de IGP-M são deferidas em sede de tutela de urgência, portanto, não sendo definitivas, observando-se ainda que eventual reversão da tutela deferida pode atribuir à parte beneficiada o ônus de responder por eventuais perdas e danos.

Assim, a substituição do IGP-M através de intervenção do Poder Judiciário, apesar de possível, não é algo simples, nem de entendimento uníssono pelos Tribunais que entendem como delicada a interferência judicial nas relações entre particulares, sendo muito valorizados pela doutrina e jurisprudência os princípios da autonomia da vontade e o pacta sunt servanda, princípio em latim que significa “os contratos devem ser cumpridos”.

Em suma, mesmo que a previsibilidade de revisão de contratos não seja uma novidade para o sistema jurídico brasileiro, com a crise instalada por conta da pandemia, a busca por esta alternativa tende a crescer junto aos Tribunais que, ainda não têm um entendimento pacificado sobre o tema. Por ora, resta acompanhar a evolução dos casos existentes e decisões que sobrevierem do Poder Judiciário.

Guilherme Guimarães Roos é advogado, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Uniritter, com experiência em Processo Civil, Contencioso e Direito Empresarial no escritório Claudio Zalaf Advogados Associados, unidade de Campinas.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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